Escritora que passou seis meses ‘desplugada’ fala sobre ‘alívio’ de vida sem tecnologias
Muitos pais talvez se preocupem
com o tempo gasto por seus filhos – e por eles próprios – na internet,
mas provavelmente poucos ousariam passar seis meses completamente longe
da web, da TV e de smartphones.
Foi o que fez a autora americana-australiana
Susan Maushart, 52, que convenceu sua família a passar um semestre
"desplugada" - experiência que foi "um alívio", diz.
Como resultado, relata Maushart à BBC Brasil,
seus filhos aprenderam a fazer “uma coisa de cada vez”, e um deles até
mudou seu rumo profissional por causa do experimento.
Escritora e colunista de uma revista
australiana, Maushart havia começado a se preocupar com o fato de que
seus três filhos adolescentes "não usavam a mídia eletrônica, eles
habitavam a mídia eletrônica".
“Temia não tanto o cyberbullying e coisas do
tipo, mas a quantidade de tempo que eles passavam conectados, o impacto
disso nas suas relações, nas suas refeições e no seu sono”, diz
Maushart. “As meninas (na época com 14 e 18 anos) passavam todo o tempo
olhando fotos no Facebook.”
O experimento
Durante uma conversa com seu filho, então com 15
anos, enquanto ele jogava videogame, Maushart se perguntou como seria a
vida se eles não tivessem tantas tecnologias. “Ele me respondeu que a
vida seria uma chatice.”
A partir disso, a escritora teve a ideia do
experimento: passar seis meses “offline”. Pouco depois do Natal de 2008,
removeu de sua casa, no oeste da Austrália, todas as TVs, PCs e
smartphones. O uso de computadores estava liberado na universidade e no
trabalho, e o celular “simples” também era permitido.
Os adolescentes aceitaram o desafio depois de
serem "subornados" pela mãe, que lhes prometeu parte dos lucros caso
conseguisse transformar a experiência em livro (o que de fato ocorreu: The Winter of Our Disconnect - O inverno de nossa desconexão, em tradução livre - ainda é inédito no Brasil).
“Mas depois eu soube que eles toparam porque acharam que eu não seria capaz de levar o projeto adiante”, diz a autora.
Isso porque a própria Maushart praticamente
mantinha um “caso” com seu iPhone, admite. “Levava ele comigo ao
banheiro, comprava capinhas para ele e dormia com ele."
Então, forçar-se a ficar longe de tudo isso não
lhe causou angústia? “Na verdade, senti um grande alívio”, diz. “Foi
algo libertador. Não me senti tentada (a usar o iPhone). O que mais
senti falta foi de não poder entrar no Google o tempo todo. A
experiência me fez desistir da compulsão de querer saber tudo.”
Adolescentes “offline”
Num primeiro momento, a filha mais nova decidiu
ir morar com o pai e só voltou à casa de Maushart após seis semanas do
início do projeto. Em momentos de “desespero”, os adolescentes
resgataram o Lego e os jogos de tabuleiro do fundo do armário - e
gostaram.
Amigos a advertiram que a ausência de computador
em casa prejudicaria os estudos de seus filhos, que não poderiam fazer
pesquisas na internet.
“Mas, pelo contrário, eles se saíram melhor.
Eram mais eficientes, porque não estavam fazendo mil coisas ao mesmo
tempo. Minha filha mais velha usava o computador da universidade e, sem
distrações, terminava os trabalhos com mais rapidez.”
Socialmente, “minha casa passou a atrair os
amigos dos meus filhos, porque (o experimento) era uma novidade. Em vez
de ficar no Facebook, vi minha filha conversando de verdade com amigas”.
65 horas no mês
No Brasil, dados mais recentes do Ibope/Nielsen
calculam em 54,4 milhões o número de usuários da internet em casa e no
trabalho. O tempo médio de navegação na web foi de 65 horas e 11 minutos
por pessoa durante o mês de novembro.
E pesquisa da consultoria Accenture aponta que o Brasil liderou as compras de celulares e TVs HD em 2010.
Para pais que compartilhem com Maushart a
preocupação com o excesso de tempo “plugado”, ela sugere que eles
organizem um dia por semana em que a família deve se desconectar. “Mas é
preciso fazer disso um evento especial, não um castigo.”
Há um ano e meio, a família da escritora voltou a habitar o mundo das telas de computador e TV.
“Às vezes eu olho para meus filhos e penso que
nada mudou”, confessa ela. “Mas houve mudanças permanentes, sim. Durante
o experimento, meu filho começou a tocar saxofone e agora estuda (o
instrumento) profissionalmente. Minha filha mais velha redescobriu seu
amor pela leitura e aprendeu a fazer uma coisa de cada vez. E a mais
nova, bem, eu ainda tenho que pedir que ela saia do Facebook.”
Maushart voltou a morar nos EUA, após 25 anos na
Austrália. Seus dois filhos mais velhos continuam na Austrália, onde
cursam a universidade.
“Todos sentimos nostalgia dos tempos do
‘experimento’ e acho que o faríamos de novo. Mas não neste momento. Meus
filhos estão longe e eu me comunico com eles pela internet. No momento,
eu sou grata à tecnologia.”
Fonte: BBC
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