Localizadas no Arquivo Secreto do Vaticano propostas de bispos brasileiros ao Concílio Vaticano II, em 1965, que foram censuradas: ordenação de homens casados e controle de natalidade
José Maria Mayrink - O Estado de S.Paulo
O Arquivo Secreto do Vaticano mantém, em duas pastas
guardadas a sete chaves, cópias das propostas feitas por bispos
brasileiros sobre o celibato dos padres e o controle de natalidade, na
última sessão do Concílio Ecumênico Vaticano II, em 1965. Os textos não
foram transcritos nas atas da reunião, como seria de praxe, porque o
papa Paulo VI proibiu a discussão dos temas. Acreditava-se que os
documentos tivessem sumido, conforme observou o teólogo e historiador
padre José Oscar Beozzo no livro A Igreja do Brasil no Concílio Vaticano
II (Editora Paulinas, 2005).
Veja também:
"Estranhamente, as intervenções depositadas no Secretariado do
Concílio não deixaram nenhum traço nas atas conciliares, desaparecendo
do registro histórico, como se nunca tivessem existido", escreveu
Beozzo, depois de relatar a iniciativa de d. Pedro Paulo Koop, bispo de
Lins (SP), e de d. Francisco Austregésilo de Mesquita, bispo de Afogados
da Ingazeira (PE), de propor a ordenação sacerdotal de homens casados
para suprir a falta de padres no Brasil. Os dois bispos tinham o aval da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e de boa parte dos 243
participantes brasileiros do Concílio.
Foi o próprio padre Beozzo quem descobriu, em investigações
posteriores, que os textos das propostas estão preservados no Arquivo
Secreto. A proposta sobre a ordenação de homens casados está conservada
na pasta de número 529, intitulada Comissione di Coordinamento - De
coelibatu ecclesiastico (Comissão de Coordenação - Sobre o celibato
eclesiástico), 1965-1966, fascículos 1-6. A intervenção sobre controle
de natalidade está arquivada na pasta de número 528, fascículos 1-4, com
o título Comissione di Coordinamento - De ecclesia in mundo huius
temporis - De matrimonio (Comissão de Coordenação - A Igreja no mundo do
tempo atual - Sobre o matrimônio).
O texto do bispo de Lins que pedia a ordenação de homens casados (que
não é o casamento de padres celibatários) vazou para a imprensa e, ao
ser publicado pelo jornal Le Monde, em 12 de outubro de 1965, provocou
um alvoroço no Vaticano. D. Pedro Paulo Koop entregou o original de sua
intervenção em latim à Secretaria do Concílio e algumas cópias a outros
participantes da reunião, em busca de apoio. Surpreendeu-se ao ver o
documento ser publicado em francês, em Paris. No Colégio Pio Brasileiro,
ponto de apoio dos bispos em Roma, d. Pedro Paulo foi acusado, numa
reunião da CNBB, de envergonhar o episcopado do Brasil.
D. Francisco Austregésilo de Mesquita, que também propunha a
ordenação de homens casados e saiu em defesa de d. Pedro Paulo,
confessou mais tarde, em entrevista a padre Beozzo, ter ficado
profundamente decepcionado com o veto de Paulo VI. "Até hoje, não
consigo engolir que o papa impediu-me de tratar três assuntos: celibato,
paternidade responsável (pílula) e divórcio", declarou o bispo.
Paulo VI interveio na agenda ao saber que alguns padres conciliares
(bispos participantes do Vaticano II) tinham a intenção de tratar do
celibato eclesiástico. Dando sua opinião pessoal, logo interpretada como
uma ordem, o papa advertiu que não seria oportuno debater publicamente o
tema. Os bispos foram convidados a entregar suas intervenções por
escrito.
Pressão. Mesmo engavetado, o tema do celibato continuou em discussão.
No Sínodo de 1971 (reunião de bispos com o papa em Roma), o então
secretário da CNBB, d. Aloísio Lorscheider, voltou a levantar a questão,
depois de a assembleia-geral do episcopado em 1969 ter aprovado, por
dois terços dos votos, que o pedido de ordenação de homens casados fosse
encaminhado à Santa Sé. A Secretaria de Estado fez pressão sobre os
delegados brasileiros, insistindo para que não tocassem no tema, porque o
papa ficaria muito triste. D. Aloísio levou a questão adiante, mas Roma
não cedeu.
"Isso não impediu que, no Sínodo dos Bispos de 1990, d. Valfredo Tepe
(de Ilhéus-Bahia) voltasse a falar em nome da conferência episcopal do
Brasil, solicitando a ordenação de homens casados", escreveu o padre
Beozzo. Entre outros argumentos, d. Tepe lembrou que no Brasil há
paróquias de 50 mil e até de 100 mil habitantes, o que exige de muitos
padres celebrar cinco ou mais missas aos domingos, para satisfazer a
comunidade de sua área. "Trabalham sob estresse e se sentem frustrados
porque não conseguem, de forma adequada, assistir pastoralmente as
próprias comunidades", afirmou o bispo. D. Aloísio Lorscheider, que
havia sido nomeado cardeal em 1976, reforçou a proposta, ao defender a
ordenação de homens casados. O Vaticano manteve inalterado o celibato.
Apesar de os papas João Paulo II e Bento XVI terem mantido o veto de
Paulo VI à discussão do tema, a ordenação de homens casados continua em
pauta. Alguns bispos defendem a proposta abertamente. "Precisamos ter a
coragem de ordenar homens casados para atender as comunidades
abandonadas", adverte d. Angélico Sândalo Bernardino, bispo emérito de
Blumenau (SC), que foi membro da comissão responsável pelos padres na
CNBB. "O carisma do celibato continua sendo uma riqueza evangélica na
Igreja, mas chegou a hora, diante da realidade de inúmeras comunidades
carentes de eucaristia, de ordenarmos homens casados de intensa vivência
comunitária e matrimonial", acrescenta.
O 12.º Nacional de Presbíteros, reunido em Itaici, no município
paulista de Indaiatuba, em 2008, propôs que se pedisse ao Vaticano a
ordenação de homens casados e a readmissão de ex-padres casados como
alternativas para o celibato, mas sem sucesso. A proposta foi cortada na
versão final do documento enviado a Roma.
Fonte: ESTADO DE SP
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