A dimensão humana
da tragédia provocada pelas chuvas no estado do Rio de Janeiro é
mostrada também na Europa, nas imagens de rios que se abriram em
encostas e da busca e resgate das vítimas. Até a tarde desta
quinta-feira (13/01), haviam sido contabilizados mais de 350 mortos e as
chuvas persistiam.
O grande volume de
água provocou deslizamentos de terra nas cidades serranas de
Teresópolis, Nova Friburgo e Petrópolis. O governador do estado, Sérgio
Cabral, declarou que recursos estão sendo providenciados para a
reconstrução dos municípios – importantes centros turísticos – que
sofreram "em função de uma força da natureza, combinada com ocupação
irregular do solo".
"Com todo respeito ao
governador, essa é uma declaração absolutamente tola. A culpa pelas
tragédias desse tipo não é da natureza. (...) Não existem tragédias
naturais, só existem tragédias sociais, que se resumem na forma em como a
sociedade organiza a ocupação e sua relação com o ambiente", contesta
Carlos Vainer, especialista em planejamento urbano e professor da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
As cidades mais
afetadas têm em comum o fato de se localizarem em áreas montanhosas, na
cadeia da Serra do Mar. Segundo pesquisadores, a região sofre há décadas
com ocupação ilegal e irresponsável. O próprio governador teria culpado
as prefeituras por não coibirem as construções em áreas de risco.
Tragédia anunciada
No início de 2010, a
imprensa mundial acompanhou o resgate dramático de centenas de corpos em
morros onde casas, e mesmo bairros inteiros, foram soterrados pela
lama. "Esta é a crônica da tragédia anual anunciada", lamenta Vainer.
Para Rubem Cesar
Fernandes, presidente da organização não governamental Viva Rio, mais do
que a presença do estado, a participação civil também é fundamental.
"Embora seja um fenômeno recorrente, a sociedade brasileira não tem uma
cultura de prevenção arraigada. O estilo de ocupação é muito informal,
ela é espontânea, sem controle, sem orientação de políticas públicas."
Mais uma vez, fica
comprovada a inexistência de política de controle de ocupação. "E quando
a tragédia vem, não temos uma cultura de pronta resposta. É como se o
governo fosse responsável por tudo. A defesa civil não é bem equipada,
em geral, para enfrentar o tamanho do problema. É preciso uma revolução
cultural", reivindica Rubem Cesar.
Ao lado do poder
público, escolas, igrejas, associações de moradores e organizações
locais precisariam participar mais desse trabalho de prevenção e de
convencimento das pessoas sobre os riscos que enfrentam ao construir
ilegalmente, sugere o presidente da Viva Rio.
Subordinação e negligência
Sob a ótica do
especialista Carlos Vainer, trata-se de uma questão histórica. Para ele,
dois fatores determinam a distribuição do espaço urbano no Rio de
Janeiro: a subordinação da cidade à especulação imobiliária e aos
interesses da indústria da construção civil, "e a negligência total do
governo na construção de habitações de interesse social".
"Devido à falta de
habitações para a população pobre, essas pessoas se dirigem a áreas de
grande inclinação sujeitas a desmoronamentos", ressalta Vainer.
Nesse episódio
recente, entretanto, alguns bairros ricos e condomínios fechados, como
na cidade de Petrópolis, foram intensamente atingidos. "E isso mostra a
negligência do poder público ao ser condescendente com a especulação
imobiliária e autorizar projetos que não poderiam ter sido licenciados.
Mas os interesses fundiários e da indústria da construção civil falam
mais alto".
O pesquisador
ressalta ainda outra questão polêmica. "As mortes, toda essa tragédia,
não são provocadas pela falta de recursos. Dinheiro tem. Ele só está
sendo gasto de forma errada, desproporcional."
Autora: Nádia Pontes
Revisão: Roselaine Wandscheer
Fonte: DEUTSCHE WELLE
Nenhum comentário:
Postar um comentário