O Instituto Millenium teve uma participação ativa na última campanha presidencial, ao defenderem que a eleição de Dilma representaria a “implementação do stalinismo no Brasil”
A blogueira cubana Yoani Sánchez é colaboradora do Insituto Millenium, entidade financiada por um grupo de grandes empresas de comunicação (Estado de São Paulo, Abril e RBS) e de outros setores (Gerdau, Vale, Suzano, entre outras), para defender os valores liberais no Brasil. Entre eles, segundo informa o site da entidade, destacam-se a eficiência, a economia de mercado, a responsabilidade individual, a propriedade privada e a meritocracia.
Apresentada como webmaster, articulista, editora do portal “Desde Cuba” e criadora do site “Generación Y”, Yoani Sánchez faz parte do seleto grupo de colaboradores do Millenium que reúne nomes como Reinaldo Azevedo, Denis Rosenfield, Ali Kamel, Merval Pereira, Marcelo Madureira, Carlos Alberto Sardenberg e Carlos Alberto Di Franco, um dos integrantes mais ilustres da Opus Dei no Brasil.
Apesar de se apresentar como “apartidário”, o Instituto Millenium teve uma participação ativa na campanha presidencial de 2010 no Brasil.
Em março daquele ano, em seminário promovido pelo instituto em São Paulo, representantes de grandes empresas de comunicação do país afirmaram que o PT é um partido contrário à liberdade de expressão e à democracia e que, se Dilma fosse eleita, o “stalinismo seria implantado no Brasil”. “Então tem que haver um trabalho a priori contra isso, uma atitude de precaução dos meios de comunicação. Temos que ser ofensivos e agressivos, não adianta reclamar depois”, disse na época o ex-cineasta Arnaldo Jabor.
Carta Maior, via PRAGMATISMO POLÍTICO
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Yoani Sánchez, a direita e a esquerda
Por Eugênio Bucci – O Estado de S.Paulo
A blogueira cubana Yoani Sánchez, também colunista do Estado, virou uma celebridade mundial. A imagem da dissidente que jamais conseguiu autorização de seu governo para sair do país, nem mesmo uma viagem de poucos dias, virou um símbolo eloquente do limite estreito, muito estreito, que confina as liberdades individuais em Cuba. Nessa condição, ela é manchete permanente.
Como se sabe, todas as manchetes servem a interesses e Yoani Sánchez também serve, mesmo que involuntariamente. Ela tremula como um estandarte nas mãos dos opositores do regime dos irmãos Castro, principalmente dos opositores de direita – pois é também possível uma oposição à esquerda, como logo veremos.
Com frequência os relatos sobre as desventuras da blogueira vêm junto com um discurso que procura caracterizar a ditadura cubana como a tragédia inevitável, fatal, de qualquer sonho socialista. Esse discurso se vale de Yoani para mentir, o que é bem fácil constatar. Todas as mudanças sociais vieram embaladas por ideais de igualdade, como a Revolução Francesa, ou de igualdade de oportunidades, como a Revolução Americana. Mesmo agora, a partir do final da 2.ª Guerra, inúmeros governos declaradamente socialistas se sucederam na Europa, em perfeita convivência com a sociedade de mercado, sem que isso acarretasse uma degeneração de corte totalitário. Tanto é assim que, no mundo contemporâneo, o ideário socialista de perfil não autoritário foi acolhido como proposta legítima e até mesmo necessária à normalidade democrática.
Portanto, é falso o discurso direitista que atribui os padecimentos (reais) do povo cubano ao DNA de qualquer projeto de sociedade sem pobreza. A construção da tirania em Cuba não tem origem na rebeldia dos que se insurgiram contra a ditadura de Fulgêncio Batista, mas na conformação do Estado aos moldes ditados pela União Soviética.
Fora isso, o autoritarismo em Cuba tem sua origem na esquerda, sem dúvida, mas, em matéria de autoritarismo, a direita delinquiu muito mais em outros países. Avesso a essa ululante evidência, o discurso direitista instrumentaliza a figura de Yoani Sánchez para alardear que toda plataforma socialista está fadada ao totalitarismo e à escassez – e que só há liberdade num ambiente baseado mais no mercado do que na justiça social, mais na ostentação do que na dignidade humana.
Oportunista, esse discurso nunca menciona o bloqueio que os Estados Unidos impuseram à ilha há exatos 50 anos (ele teve início no dia 5 de fevereiro de 1962). A própria Yoani, é interessante notar, não vai por aí. Em mais de uma ocasião ela pediu em seu blog a suspensão desse embargo “absurdo”. Ao mesmo tempo, ela cuida de alertar para algo que é profundamente verdadeiro: o bloqueio pune o povo, é verdade, mas, perversamente, convém aos irmãos Castro, que se valem dele para culpar os Estados Unidos por tudo o que acontece de ruim. Tanto que, para ela, fim do embargo seria “o golpe definitivo contra o autoritarismo sob o qual vivemos”.
Há poucos dias, uma vez mais, Yoani teve negado o seu pedido para viajar para o Brasil (pela 19.ª vez, segundo sua contagem). De novo, foi notícia. Ela queria vir ao lançamento do documentário Conexão Cuba-Honduras, de Dado Galvão, em que aparece como entrevistada. Sem a presença de sua convidada mais ilustre, o lançamento foi adiado.
Enquanto isso, a injustiça prolonga-se em Havana. Muitos, hoje, no Brasil e em Cuba, apoiam a ditadura cubana. Até mesmo no caso de Yoani, a quem acusam de ser remunerada por organizações de direita e de ganhar de presente recursos avançadíssimos de tecnologia digital para fazer contrapropaganda. Logo, não movem uma palha pelos direitos dela.
O curioso é que, mesmo se fossem verdadeiras, as acusações não poderiam justificar o arbítrio. O direito de ir e vir é um direito fundamental da pessoa humana, e não apenas de quem concorda com o governo. Em qualquer democracia os direitos fundamentais de um cidadão não estão condicionados às opiniões dele. Em Cuba, porém, é assim que funciona. E ainda há os que, em nome dos ideais de esquerda, batem palmas para a opressão, dizendo que na ilha não há fome, não há morador de rua, todos têm escolas e hospitais à vontade, e que, diante disso, a falta de liberdade é um reles detalhe. Outra vez: mesmo se aceitarmos como verdadeira essa afirmação – e não há comprovações empíricas de que ela seja realmente verdadeira -, mesmo assim ela não tem validade política, pois o suposto atendimento das necessidades materiais não compensa a falta de liberdade. Aliás, lá mesmo, em Cuba, na prisão americana de Guantánamo, os prisioneiros fazem suas refeições diariamente, entre uma tortura e outra, além de contarem com médicos e dentistas de plantão. Isso não significa que vivam “numa sociedade justa”. Eles vivem encarcerados, isso sim. Comida, cama, escola e hospital não são suficientes para que se tenha justiça social, paz e democracia. E sem liberdade constituem a negação dos ideais de igualdade.
Por esse ângulo é que podemos entender o lugar de uma oposição de esquerda à tirania dos irmãos Castro, uma oposição que não se confunde com as causas da direita. Ela não se serve da falta de liberdade como pretexto, mas toma a liberdade como fim. Para ela, a livre comunicação das ideias, “um dos mais preciosos direitos do homem”, segundo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, não é meramente um capricho liberal, mas uma conquista de toda a humanidade, na exata medida em que os direitos sociais não beneficiam apenas um ou outro sindicato, mas toda a sociedade. Ao romperem com a democracia, os ditadores em Cuba traíram o sonho que um dia representaram. Por isso também os opositores de esquerda defendem os direitos de Yoani Sánchez.
Eugênio Bucci é jornalista, professor da USP e da ESPM
Fonte: ESTADO DE SÃO PAULO, via SUL 21
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