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quinta-feira, 21 de junho de 2012

CONTORNOS DA LIBERDADE RELIGIOSA, NA RELAÇÃO ENTRE PREGADOR E CONGREGAÇÃO

70040778706
Comarca de Camaquã
31-03-2011
Elaine Harzheim Macedo

          ação de reintegração de posse.
          Considerando que a residência utilizada pelo réu varão foi concedida, como comodato, para sua residência e de sua família enquanto fosse ministro da igreja localizada no mesmo terreno. e que na atualidade não  é ele mais o pastor daquela unidade religiosa, resta configurada a agressão à posse indireta da parte autora, legitimando a ação de reintegração e a sua procedência, ao efeito de se consolidar a posse plena nas mãos da autora.
          Questões internas entre o ex-pastor e a congregação religiosa não são objeto da lide possessória, devendo ser resolvidas no âmbito administrativo da entidade ou, se for o caso, em ação própria.
          APELAÇÃO DESPROVIDA. 

Apelação Cível Décima Sétima Câmara Cível
Nº  70040778706 Comarca de Camaquã
ADAIL JOAO ZIERO APELANTE
UNIAO DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS APELADO
ACÓRDÃO

           Vistos, relatados e discutidos os autos.
           Acordam as Desembargadoras integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em desprover o apelo. 
           Custas na forma da lei. 
           Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), as eminentes Senhoras Des.ª Bernadete Coutinho Friedrich e Des.ª Liége Puricelli Pires. 
           Porto Alegre, 31 de março de 2011.
DES.ª  ELAINE HARZHEIM MACEDO,
Relatora.
RELATÓRIO
Des.ª  Elaine Harzheim Macedo (RELATORA) 
           Cuida-se de ação de reintegração de posse, ajuizada por UNIAO DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS em face de ADAIL JOAO ZIERO. Narrou a autora ser proprietária de imóvel, com a edificação de um prédio destinado à igreja e, aos fundos, de uma casa, que foram construídos pela própria demandante, servindo a moradia aos ministros da comunidade religiosa. Relatou que o requerido, após afastar-se da agremiação pastoral, invadiu a referida residência e passou a residir no local, quando afastado de suas funções ministeriais. Afirmou que houve tentativa de conciliação, havendo, inclusive, uma proposta para que o demandado se mudasse do local para uma outra residência a ser fornecida pela autora. Asseverou que houve o aceite de tal acordo, mas jamais ocorreu sua efetivação, porquanto o réu se recusou a deixar a moradia. Salientou que a partir de então, com a continuidade da ocupação irregular, sem qualquer anuência da proprietária, tornou-se a posse injusta. Requereu, liminarmente, seja reintegrada na posse da referida casa. Pediu a procedência do feito. Acostou documentos (fls. 05/29).
           Realizada audiência preliminar, o pleito liminar restou indeferido (fls. 36/38). 
           O réu contestou (fls. 39/49), arguindo em preliminar a nulidade do processo em face da ausência de citação de JOVELINA ZIERO, cônjuge do demandado, a qual se faz imperativa, diante do litisconsórcio necessário. No que tange ao mérito, aduziu que, diferentemente do narrado na exordial, passou a residir na casa aos fundos da Igreja no ano de 1986, quando assumiu como seu pastor. Afirmou que, no ano de 2006, residiu em imóvel diverso, bancado pela própria instituição religiosa, mas que em momento algum desocupou a casa em litígio, sendo que o réu ou seus familiares pernoitavam no local, continuamente zelando pela propriedade. Referiu que adoeceu no ano de 2007, e, em razão de sua enfermidade, não pôde mais trabalhar. Relatou que durante o período de sua licença fora substituído, mas que, inclusive, ambos os pastores que atuaram em sua ausência não utilizaram as dependências aos fundos da Igreja. Em decorrência de sua doença, a instituição religiosa cessou o pagamento dos locativos, razão pela qual voltou a residir exclusivamente na casa objeto do litígio. Depois de recuperado de sua enfermidade, pretendia reassumir seu ministério, uma vez que, de acordo com a ata que o licenciava, tratava-se de medida provisória, restando surpreso ao receber notícia que fora dispensado. Explicou que, a fim de dirimir o impasse houve a promessa da entrega de uma casa ao requerido, promessa essa que, no entanto, jamais restou cumprida. Ressaltou que ainda goza da condição de ministro religioso titular, tendo, destarte, direito a usufruir à residência litigada. Salienta, por fim, que se trata de posse justa, ao contrário do que tenta fazer crer a parte adversa, e não precária. Requereu a improcedência dos pedidos esposados na inicial. Subsidiariamente, solicitou o reconhecimento da exceção de contrato não cumprido, garantindo-se ao demandado o direito de retenção do bem até que lhe seja disponibilizado imóvel prometido ou quantia equivalente. Pediu lhe seja concedido o benefício da AJG. Juntou documentos (fls. 50/61). 
           Houve réplica (fls. 63/65).
           Determinada a citação da mulher do réu  às fls. 71 e 71v, sobreveio contestação (fls. 75/76), fundamentalmente aderindo aos termos da manifestação protocolada por seu cônjuge. Acostou documentos (fls. 78/105). 
           Réplica à contestação da corré  às fls. 107 e 108. 
           Saneado o feito (fls. 109/110), houve delimitação da matéria controvertida e determinação da produção de prova oral.
           Realizada audiência de instrução (fls. 129 /143). 
           Apresentados memoriais escritos pelo requerido (156 – 163). 
           Sobreveio sentença, a qual julgou procedente o pleito, porquanto entendeu tratar-se de posse decorrente do cumprimento ao dever de zelo. Nesta senda, reintegrou a parte autora na posse do imóvel litigado, bem como condenou o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000,00, suspensa a exigibilidade já que deferida a gratuidade pleiteada. 
           Irresignado o demandado apelou. Em suas razões (fls. 170/ 178) refutou a fundamentação sentencial no que tange ao argumento de que seria mero detentor do bem litigado, salientando ser fato confesso de que o imóvel é disponibilizado pela igreja aos seus ministros por cessão em comodato, não podendo se falar, destarte, em detenção. Alegou erro no julgado, ainda, no que tange à constatação de que o requerido não mais é Pastor, uma vez que jamais incorreu em qualquer das faltas previstas no Estatuto que poderiam incidir em afastamento da atividade, sendo ainda, dessa maneira, o ministro religioso titular da Igreja, já que jamais fora agastado do cargo. Asseverou a inocorrência de esbulho uma vez que quando do retorno à residência permanecia na condição de pastor. Salientou a existência de comodato, ignorado pela sentença, o qual perdura enquanto o contrato estiver em vigência, e que lhe permite se opor à pretensão da autora. Guerreou a decisão do magistrado a quo, ainda, no que tange ao posicionamento de não conhecer da discussão acerca da obrigatoriedade da demandada fornecer moradia ao requerido, porquanto ultrapassaria a delimitação da matéria controvertida. Disse ser referido debate essencial ao desfecho da lide, uma vez que intimamente relacionado com a posse e eventual desocupação do imóvel. Requereu o reconhecimento de sua posse sobre o imóvel, e não a mera detenção; o direito de permanecia no mesmo diante de sua condição de pastor em decorrência de contrato ainda vigente, ou, subsidiariamente, pela falta de denúncia do comodato; a improcedência, na íntegra, da ação proposta. No caso de decisão diversa, pleiteia seja concedido o direito de retenção da moradia até o fornecimento da casa prometida. 
           Com as contrarrazões (fls. 183 – 187), subiram os autos, conclusos, a esta Corte para julgamento.
           Registra-se que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado. 
           É o relatório.
VOTOS
Des.ª  Elaine Harzheim Macedo (RELATORA) 
           O recurso não merece provimento, navegando sobre temas que não são nem podem ser objeto da presente demanda.
           A relação entre o ora apelante varão e a autora e seus eventuais conflitos é tema que deve ser resolvido interna corporis, cuidando-se de matéria de discricionariedade da congregação religiosa, a ser composta por seus estatutos, não abarcada pela jurisdição civil. Se, eventualmente, o apelante entender que restou prejudicado em direitos subjetivos dos quais se vê como titular, por certo não lhe será negada a via judicial, base no art. 5º, inciso XXXV, da CF, mas trata-se, ainda assim, de demanda que requer sede própria, não se mostrando a via possessória adequada para tanto.
           Nos limites da lide posta e da definição da coisa litigiosa, o que importa saber é se a autora era possuidora da casa localizada aos fundos da igreja, em terreno de sua propriedade, e se houve agressão a essa posse por ato praticado pelo apelante e sua mulher. 
           Não há dúvida que a posse era exercida pela autora. O fato é incontroverso. Os próprios recorrentes admitem que receberam a posse da Igreja, ao efeito de atender a moradia do pastor, função que o apelante varão exerceu no passado. Essa cessão ou comodato provoca a natural divisão da posse, em princípio concentrada nas mãos da entidade religiosa, passando a se constituir como posse direta a ser exercida pelo pastor, e posse indireta, em pode da cedente ou comodante.
           Legitima-se, pois, sob esse aspecto, a ação proposta. 
           O segundo ponto é saber se Adail João Ziero é ainda pastor da igreja localizada no imóvel da rua General Zeca Netto, a justificar a sua permanência no imóvel, na condição de possuidor direto.  Também é fato incontroverso, seja porque efetivamente provado pelas testemunhas, seja porque admitido pelos apelantes, justificando-se o ex-pastor no descumprimento, pela Igreja, do que fora acertado ou do que lhe seria devido, já que segundo suas alegações deixou de exercer suas funções porque acometido de doença e sob auxílio doença junto ao instituto previdenciário.  
           O fato é que não importam as razões pelas quais Adail não é mais pastor, mas sim a circunstância de que Adail não mais ministra a Igreja onde está localizada a casa em que permanece residindo com sua família, o que também legitima a autora a se ver reintegrada na posse do imóvel, dando-lhe o destino para o qual foi construído: moradia do pastor da igreja.
           Assim, a resistência dos recorrentes em liberar a casa configura descumprimento ao que constitui obrigação ínsita ao empréstimo de coisa infungível: o mesmo se esgota em razão da finalidade atingida. O réu varão só poderia exercer a posse da residência, de forma lícita e legítima, enquanto fosse ministro da igreja localizada no mesmo terreno. Não mais sendo, configurada a agressão à posse indireta da autora. 
           As demais questões postas, como já dito, extrapolam os limites da presente demanda, nada influenciando no julgamento da causa. 
           Ante o exposto, com fundamento no art. 927, do CPC, nega-se provimento ao apelo, mantendo-se a bem lançada sentença vergastada.


Des.ª  Bernadete Coutinho Friedrich (REVISORA) - De acordo com a Relatora.
Des.ª  Liége Puricelli Pires - De acordo com a Relatora.
DES.ª  ELAINE HARZHEIM MACEDO - Presidente - Apelação Cível nº 70040778706, Comarca de Camaquã: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º  Grau: LUIS OTAVIO BRAGA SCHUCH

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