A MORTE PROVOCADA PELO SER HUMANO, NÃO É CRUELDADE EXTREMADA CONTRA OS ANIMAIS?
As fotos e textos que não integram o acórdão do TJ/RS foram enxertados pelo mantenedor deste blog.
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70010129690
Porto Alegre
18-04-2005
Araken de Assis
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70010129690
Porto Alegre
18-04-2005
Araken de Assis
CONSTITUCIONAL.
AÇÃO DIRETA. SACRIFÍCIO RITUAL DE ANIMAIS. CONSTITUCIONALIDADE.
1.
Não é inconstitucional a Lei 12.131/04-RS, que introduziu
parágrafo único ao art. 2.°
da Lei 11.915/03-RS, explicitando que não infringe ao
“Código Estadual de Proteção aos Animais” o sacrifício ritual
em cultos e liturgias das religiões de matriz africana, desde que sem
excessos ou crueldade. Na verdade, não há
norma que proíba a morte de animais, e, de toda sorte, no caso a liberdade
de culto permitiria a prática.
2.
AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. VOTOS VENCIDOS.
Ação Direta de Inconstitucionalidade | Tribunal Pleno |
Nº 70010129690 | Porto Alegre |
EXMO. SR. DR. PROCURADOR-GERAL DE JUSTIçA | PROPONENTE |
ASSEMBLéIA LEGISLATIVA DO ESTADO do rio grande do sul | REQUERIDa |
EXMO. SR. GOVERNADOR DO ESTADO do rio grande do sul | REQUERIDO |
EXMO. SR. DR. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO do rio grande do sul | INTERESSADO |
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes do Tribunal
Pleno do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar
a preliminar de incompetência do Tribunal de Justiça para conhecimento
e julgamento da matéria e, por maioria, em julgar improcedente a ação,
vencida em parte a Desembargadora Maria Berenice Dias e vencidos integralmente
os Desembargadores Alfredo Guilherme Englert, Alfredo Foerster, Vladimir
Giacomuzzi, Paulo Moacir Aguiar Vieira, Presidente e Antonio Carlos
Netto Mangabeira, com alteração de voto, na última sessão, dos Desembargadores
Luiz Ari Azambuja Ramos, Roque Miguel Fank, Marco Aurélio dos Santos
Caminha e Arno Werlang.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário,
os eminentes Senhores Des. Osvaldo Stefanello (Presidente), Des.
Cacildo de Andrade Xavier, Des. Alfredo Guilherme Englert, Des. Antonio
Carlos Netto Mangabeira, DES. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA,
Des. Ranolfo Vieira, Des. Vladimir Giacomuzzi,
DES. PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA, Des. Vasco Della Giustina, Desa. Maria
Berenice Dias, DES. DANÚBIO EDON FRANCO, Des. Luiz Ari Azambuja Ramos,
Des. João Carlos Branco Cardoso, DES. MARCO ANTÔNIO BARBOSA LEAL,
Des. Roque Miguel Fank, Des. Leo Lima, Des. Marco Aurélio dos Santos
Caminha, Des. Gaspar Marques Batista, Des. Arno Werlang,
DES. WELLINGTON PACHECO BARROS, Des. Alfredo Foerster, Des. Sylvio Baptista
Neto, Des. Jorge Luís Dall´Agnol e Des. José
Antônio Hirt Preiss.
Porto Alegre, 18 de abril
de 2005.
DES. ARAKEN
DE ASSIS,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Araken de Assis
(RELATOR) - O Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral de Justiça propõe
ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei Estadual 12.131/04,
que acrescentou o parágrafo único ao art. 2º da Lei Estadual 11.915/03
Segundo alega, a Lei Estadual 12.131/04 é
inconstitucional formal e materialmente. Sustenta, no plano formal,
que direito penal é matéria de competência legislativa privativa
da União. Aduz que, mesmo que não se entenda tratar-se de matéria
penal, mas tão-somente de proteção à fauna, o Estado, no exercício
da sua atividade normativa supletiva, não poderia desrespeitar as normas
gerais editadas pela União. No plano material, sustenta a ocorrência
de ofensa ao princípio da isonomia, ao excepcionar apenas os cultos
de matriz africana. Requer liminar, a fim de sustar os efeitos do parágrafo
único do art. 2º da Lei Estadual 11.915, acrescentado pela Lei Estadual
12.131/04 (fls. 02/12).
Indeferida a liminar (fls. 152/153).
Postulam a intervenção no feito: (a)
Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras; (b) Cedrab
– Congregação em defesa das Religiões afro-brasileiras,; (c)
Unegro – União dos Negros pela Igualdade; (d) Ilê Axé Yemonja
Omi-Olodo e C.E.U Cacique Tubinambá; (e) Centro de Estudos das
Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT, através da petição
de fls. 162/163, invocando a condição de amicus curiae, e sua
condição de terceiros interessados, nos termos dos artigos 50 e 52
do Cód. de Proc. Civil. Também pleiteia ingresso, nas mesmas condições,
o Movimento Negro Unificado – MNU, invocando o art. 7.°, da Lei 9.868/99,
através da petição de fls. 440/465.
Indeferi a intervenção, admitindo, porém,
as peças à guisa de esclarecimento da matéria (fls. 521/523).
A Mesa da Assembléia Legislativa do Estado prestou
informações, argüindo, preliminarmente, a incompetência do juízo.
No mérito, aduziu que a norma impugnada não é inconstitucional, nem
frente a CF/88 nem frente a CE/89. Sustentou que os rituais das religiões
de matriz africana pressupõem o sacrifício de animais domésticos
em suas liturgias, animais estes criados em cativeiros, para este fim
específico, não havendo afronta a Lei 9.605/98. Postulou a improcedência
do pedido, haja vista ausência de vício de inconstitucionalidade na
matéria sub judice (fls. 477/489).
O Governador do Estado manifestou-se, requerendo
a manutenção da Lei Estadual 12.131/04 no ordenamento jurídico, declarando-se
a inconstitucionalidade por omissão da lei, cientificando-se o órgão
legislativo para que tome as medidas necessárias ao cumprimento das
Constituições Estadual e Federal (fls. 500/509).
O Procurador-Geral de Justiça reiterou o pedido
de letra d da fl. 12, opinando pela procedência da ação, para
declarar inconstitucional o parágrafo único do art. 2º da Lei Estadual
11.915/03, acrescentado pela Lei Estadual 12.131/04 (fls. 531/537).
É o relatório.
VOTO
Des. Araken de Assis
(RELATOR) – Senhor Presidente.
1. É competente o presente Tribunal para
apreciar a inconstitucionalidade, à luz do art. 125, § 1.°,
da CF/88, pois, conforme pondera o Sr. Procurador-Geral de Justiça,
haja vista a repetição e absorção das normas da Carta da República
pela Carta do Estado (vide AgrRcl 425-RJ, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA,
DJU 22.10.93, p. 22.252).
Indeferi a liminar sob os seguintes fundamentos
(fls. 152/153):
Não
há relevância nos fundamentos da inconstitucionalidade. Em relação
ao art. 32 da Lei 9.605/98, e, pois, à usurpação da competência
legislativa da União em matéria penal (art. 22, I, da CF/88), assinalo
que o art. 2.°, parágrafo único, da Lei 11.195/03, com a redação
da Lei 12.131/04, tão-só pré-exclui dos atos arrolados no próprio
dispositivo as práticas religiosas. De modo algum se pode pretender
que tal dispositivo elimine o crime capitulado no art. 32 da Lei 9.605/98,
ou que semelhante excludente de antijuridicidade se aplique nesta esfera.
Os efeitos da norma se exaurem no âmbito do “Código Estadual de
Proteção aos Animais” e de suas sanções.
Por outro
lado, da lição de CELSO ANTÔNIO PACHECO FIORILLO (Curso
de direito ambiental brasileiro, p. 95, São Paulo: Saraiva, 1995)
resulta claro que, no aparente conflito entre o meio ambiente cultural
e o meio ambiente natural, merecerá tutela a prática cultural –
no caso, sacrifício de animais domésticos – que implique “identificação
de valores de uma região ou população”. Bastaria, a meu ver, um
único praticante de religião que reclame o sacrifício de animais
para que a liberdade de culto, essencial a uma sociedade que se pretenda
democrática e pluralista, já atue em seu benefício. Dir-se-á que
nenhum direito fundamental se revela absoluto. Sim, mas o confronto
acabou de ser revolvido através do princípio da proporcionalidade.
Ao invés, dar-se-ia proteção absoluta ao meio ambiente natural proibindo,
tout court, o sacrifício ritual.
Finalmente,
a existência de outras religiões que se ocupam do sacrifício ritual
de animais não torna, de per si, inconstitucional a disposição. Ela
se mostraria apenas insuficiente e suscetível de generalização.
Assim,
não se configuram os requisitos necessários à concessão da
liminar.
O primeiro fundamento da inconstitucionalidade
é improcedente. Em tese, não há inconstitucionalidade formal,
senão o vício atingiria o próprio “Código Estadual de Proteção
aos Animais”. Por outro lado, como adiante explicarei, nada exclui
a incidência de normas penais em casos concretos e específicos, preenchidos
os respectivos pressupostos.
No que tange à inconstitucionalidade material,
há que se realizar a ponderação dos interesses envolvidos. De
um lado, há a liberdade de cultos, impedindo o art. 19, I, da
Carta da República qualquer embaraço. Não se cuida, propriamente,
de liberdade de crença, mas, sim, das suas exteriorizações práticas.
Sucede que sempre se entendeu passível de restrições tal liberdade.
Por sinal, dificilmente se localizará direito fundamental absoluto,
exceto (no direito brasileiro) o direito à vida (humana). Já PONTES
DE MIRANDA (“Religião”, n.° 4, p. 143, Repertório Enciclopédico
do Direito Brasileiro, V. 48. Rio de Janeiro: Borsói, s/d) ponderava:
“No
estado atual do direito público, a liberdade de cultos
é limitada por medidas de ordem pública, com o mesmo critério que
preside às outras limitações: as práticas
– assim em atos como em palavras
– têm de respeitar as leis penais, isto
é, não podem ser tais que constituam crimes ou contravenções; nem
lhes seria permitido infringir as outras liberdades”.
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Em 21 de abril de 2011, um curioso ritual foi realizado no Quirguistão,
na Ásia Central. Para acabar com maus espíritos de um lugar que
enfrentou duas revoltas populares, lutas e invasões policiais, os
deputados do país decidiram sacrificar sete ovelhas dentro do
parlamento. Cada deputado ofereceu cerca de R$ 30 para realizar o
ritual. O restante foi doado para insituições que atendem idosos e
órfãos.
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Por óbvio, tais limites variaram ao longo do
tempo, e hoje ficam restringidos tão-só à lei penal e aos demais
direitos fundamentais, conforme percebeu, sob a Constituição de 1947
da República da Itália, PIETRO AGOSTINO d’AVACK (“Libertà religiosa”,
n.° 5, p. 598, Enciclopedia del Diritto, V. 24, Milão: Giuffrè,
1974) acentuou:
“Sifatti
limite sono bensì modestissimi in uma civiltà
che, como la presente, proclami le libertà
individuali quali libertà fondamentali della persona umana e in un
ordenamento quindi che, come il nostro, riconosca i diritti di libertà
quali diritto inviolabili dell’uomo”.
Este é o sentido geral da argumentação
do Sr. Procurador-Geral de Justiça: o óbice se encontra na lei penal.
Pode-se cogitar, neste sentido, tanto do art. 64 da Lei das Contravenções
Penais, quanto do art. 32 da Lei 9.605/98 (vide, fl. 4). A este
propósito, manifesta-se MANOEL JORGE E SILVA NETO (“A proteção
constitucional à liberdade religiosa”, n.° 6.5, p. 121, Revista
de Informação Legislativa, V. 160, Brasília: Senado Federal –
Subsecretaria de Edições Técnicas, 2003)
“É
absolutamente decisivo para entender-se a liberdade de culto
– e, no particular, a liberdade de sacrifício de animais no ritual
do Candomblé e da Umbanda – situar o art. 5.°, VI, no contexto da
teoria da aplicabilidade das normas constitucionais, como se realizou,
no momento, sob pena de equivocada compreensão da sua amplitude”.
“Assim,
torna-se impositivo percorrer o sistema normativo, de lá
retornando com a conclusão, a respeito da existência ou não de regra
limitativa do sacrifício de animais.”
“E
a resposta é positiva: há, sim. É
precisamente o art. 64 da Lei das Contravenções Penais, cuja conduta
caracterizada como fato típico é
‘tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo”.
“Inegavelmente,
uma vez ocorrido o sacrifício de animais, não há
como desvencilhar do fato típico descrito no art. 64 da LCP”.
“Poder-se-ia
argumentar que o termo ‘crueldade’
é caracterizado por fortíssimo componente ambíguo, porque aquilo
que seria considerado cruel por um indivíduo não o seria por outro,
e, assim, os adeptos dos segmentos religiosos afro-brasileiros e qualquer
outro que se utilizasse da prática litúrgica certamente não reconheceria
a ‘crueldade’ em tais sacrifícios. Mas não seriam os integrantes
da facção religiosa aqueles que estariam legitimados a concluir a
respeito, mas sim a sociedade de uma forma geral, o que se consuma com
o exame da situação pelo juiz”.
Ora, no art. 64 do Dec.-lei 3.688, de 03.10.1941,
nem no art. 32 já referido, não se acomoda, salvo engano, o sacrifício
ritual de animais. Basta ver que a doutrina especializada (vide,
ROMEU DE ALMEIDA SALLES JÚNIOR, Lei das contravenções penais interpretada,
p. 306, São Paulo: Oliveira Mendes, 1998; DAMÁSIO E. DE JESUS,
Lei das contravenções penais anotada, p. 212, 8.ª Ed. São Paulo:
Saraiva, 2001), repetindo os mesmos exemplos, alude a preparar
alimentos envenenados (com soda cáustica ou estricnina), jogar líquido
combustível e atear fogo, ou promover disputas (brigas de galos ou
de pássaros).
Poder-se-ia dizer que tal se deve à distância
prudente mantida em relação a tais práticas religiosas, envoltas
com ar de mistério, e protegidas com insinuações quanto ao eventual
descontrole de forças poderosas sobre o incauto profano. Além disto,
há um dado principal: nenhuma lei proíbe matar animais próprios
ou sem dono.
É fato notório que o homem e a mulher matam,
diariamente, número incalculável de outros animais para comê-los.
O caráter exclusivamente “doméstico” do animal, ou seu uso para
fins alimentares, depende da cultura do povo. Recordo a figura do cachorro,
tanto animal de estimação, quanto fina iguaria em determinados Países.
E não há, no direito brasileiro, norma que
só autorize matar animal próprio para fins de alimentação.
Então, não vejo como presumir que a morte de
um animal, a exemplo de um galo, num culto religioso seja uma “crueldade”
diferente daquela praticada (e louvada pelas autoridades econômicas
com grandiosa geração de moedas fortes para o bem do Brasil) pelos
matadouros de aves.
Existindo algum excesso eventual, talvez se configure,
nas peculiaridades do caso concreto, a já mencionada contravenção;
porém, em tese nenhuma norma de ordem pública, ou outro direito fundamental,
restringe a prática explicitada no texto controvertido.
Por outro lado, há precedentes respeitáveis
no sentido de consagrar a liberdade de culto. É digna de
registro a valiosa contribuição do Prof. Dr. HÉDIO SILVA JR., trazendo
à baila o caso julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos da
América, em outubro de 1992 (inteiro teor à fls. 296/428), no caso
Church of Lukumi Balalu Aye versus City of Hialeah. Apesar
de as leis locais proibirem, expressamente, o sacrifício de animais,
prática adotada pela referida Igreja, pertencente à confissão da
“Santería” (proveniente de negros cubanos), a Suprema Corte entendeu
que as autoridades locais deviam respeitar a tolerância religiosa.
No caso, sem traçar paralelos com outras religiões
e práticas, ou adotar a motivação porventura mais ajustada àquele
sistema jurídico, estimo que se aplique perfeitamente tal precedente
à espécie como uma diretriz geral. Portanto, conosco está a Suprema
Corte dos Estados Unidos da América do Norte.
2. Pelo exposto, julgo improcedente a ação
direta.
DES. VASCO DELLA GIUSTINA
- Quanto ao processo em si, eminentes Colegas, alinho-me à posição
do eminente Relator.
Confesso que, inicialmente, titubeei em função
do fato, em função dos comemorativos desta lei. Porém, aprofundando-me
na análise de textos legais, cheguei à conclusão de que Sua
Excelência tem inteira razão.
Com relação, inicialmente, ao aspecto da formalidade,
ou seja, haveria incompetência deste Tribunal para conhecer da matéria
e julgá-la, eu a rejeito pelo fundamento de que a nossa Constituição
Estadual consagra no capítulo que versa sobre o meio ambiente, art.
250, um item que assim reza: ”O meio ambiente é bem de uso comum
do povo...”. Depois, no inc. VII, esclarece que uma das funções
é: “proteger a flora, a fauna e a paisagem natural, vedadas as práticas
que coloquem em risco sua função ecológica e paisagística, provoquem
extinção de espécie ou submetam os animais à crueldade”.
Assim é a nossa Constituição Estadual,
e disso, aliás, é testemunha esta lei que foi mencionada há
pouco pelo eminente Relator, votada pela Assembléia, o chamado Código
Estadual de Proteção aos Animais, que, com base na Constituição
Estadual, foi editado. Logo, este Tribunal, por força da Carta Federal
e da própria Carta Estadual, tem toda a competência para analisar
e decidir acerca da invalidade ou validade desta lei votada pelo Parlamento
Estadual.
Assim, afasto esta prefacial da inconstitucionalidade
ou da impossibilidade formal de apreciação por este Tribunal.
Quanto ao mérito ou quanto ao aspecto material,
também me alinho ao pensamento do eminente Relator.
Parece-me que esta matéria, antes de tudo, exige
um bom-senso na sua análise e uma interpretação sistemática de todo
o nosso ordenamento jurídico.
Desde os idos de 1940, e, mais recentemente,
o nosso legislador, em se tratando de animais, visou a evitar que se
praticasse crueldade contra os mesmos. Esse foi o espírito que perpassou
toda a nossa legislação. Os animais, os irracionais, evidentemente,
devem merecer um tratamento diferenciado dos racionais.
Indo às fontes, ao tratadista Paulo Lúcio Nogueira,
na sua obra “Contravenções Penais Controvertidas”, ele analisa
essa contravenção de crueldade contra animais. Permito-me ler alguns
aspectos, apenas para reforçar o pronunciamento do eminente Relator
e trazer alguns subsídios a este Colegiado.
Diz o eminente tratadista: “A lei procura proteger
os animais domésticos e os selvagens domesticáveis, excluindo apenas
os daninhos. Entretanto, os próprios animais domésticos são mortos
para satisfazer as necessidades humanas, não havendo em tais circunstâncias
nenhuma infração, mas, mesmo assim, o animal deve ser morto de maneira
que os meios empregados não lhe causem mais sofrimento do que os naturais.
Se, para abater um animal, o homem, ao invés de o fazer com rapidez
e naturalidade, procura submetê-lo a torturas desnecessárias, pode,
perfeitamente, ser punido por agir com crueldade”.
Posteriormente, analisa outros aspectos da questão,
dizendo mais adiante: “Entende-se que a morte ministrada a animal,
por si só, sendo rápida, não constitui crueldade. Contudo, existem
mortes que revelam crueldade, principalmente pelos meios empregados.
Assim, se alguém ministra substância venenosa a cães, causando-lhes
sofrimento e morte, pratica contravenção”. E aí segue, então,
analisando a rinha de galo, etc.
Refere também “que a morte desnecessária
e intencional de algum animal configuraria crime de dano, que se tipifica
em destruir ou inutilizar coisa alheia. Um animal é coisa viva que
merece a proteção”. Salienta, ainda, que o que não se justifica
é a crueldade que se pratica contra os animais, como em brigas de galo,
rodeios, etc.
Assim que, eminentes Colegas, me parece que não
há vedação de ordem legal, não há vedação de ordem
constitucional, e muito menos uma vedação interpretativa no admitir
que os animais possam vir a ser sacrificados, desde que, realmente,
não se pratique crueldade contra eles.
Assim que, nesta linha, eu estaria por entender
que, no caso concreto, essa prática autorizada dos cultos e liturgias
realmente está num contexto geral, logicamente, aliás, o eminente
Relator fez questão de salientar, desde que não haja excessos, desde
que não haja crueldade. Fora isso, não me parece que haja uma inconstitucionalidade
nesse dispositivo que autoriza, que permite este sacrifício.
Tanto assim é que, se me permite o eminente
Relator, na ementa do seu douto projeto de acórdão, assim diz: “Não
é inconstitucional a lei que introduziu o parágrafo único, explicitando
que não infringe o Código Estadual de Proteção aos Animais o sacrifício
ritual em cultos e liturgias das religiões de matriz africana”, até
sugeriria, já que a ementa leva adiante o acórdão, “desde que sem
excessos ou crueldade”. Vossa Excelência concorda com esta aplicação?
DES. ARAKEN DE ASSIS
(RELATOR) – Concordo.
DES. VASCO DELLA GIUSTINA
– Parece-me que, então, de uma vez por todas, ficaria claro que é
permitido, mas não é uma permissão no sentido absoluto de que o animal
possa ser sacrificado das formas, muitas vezes, mais cruéis/ e mais
vis. Pelo contrário, respeitada essa linha, não me parece que haja
no nosso ordenamento jurídico uma proibição quanto à morte de animais
nesse sentido.
Assim que, eminentes Colegas, com esses subsídios
e louvando o posicionamento do ilustre Relator, que soube muito bem
decidir os vários aspectos da questão, eu estaria por acompanhá-lo
integralmente.
É o meu voto, Senhor Presidente.
DESA. MARIA BERENICE
DIAS – Senhor Presidente, quero, mais uma vez, louvar aqui
a postura do meu eminente Colega, Des. Araken de Assis, que, com a sua
lucidez e cultura, sempre nos encanta..
No entanto, tenho que, em um ponto, assiste razão
ao ilustre Procurador de Justiça. Não vejo como afastar a limitação
e permitir o sacrifício de animais, exclusivamente nas religiões e
liturgias de matriz africana. A Constituição Federal, ao garantir
e proteger as manifestações culturais e populares, não faz este tipo
de diferenciação.
Como bem referiu o ilustre Procurador, há
religiões outras que, ainda que sem ser de origem africana, têm nas
suas práticas religiosas o sacrifício de animais. Diz o § 1º
do art. 215 da Constituição Federal que: “O Estado protegerá as
manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras,
e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”.
Então, é ampliativa, a proteção constitucional,
não só às culturas afro-brasileiras, mas a todas que compõem
este caleidoscópio da nossa origem. Em assim sendo, tenho que é a
restrição posta ao final do artigo que afronta o dispositivo constitucional.
No entanto, isto não leva ao acolhimento da
ação como preconizado no ilustrado parecer. Impositivo é acolher
em parte a ação para declarar inconstitucional exclusivamente a sua
expressão final, a qual faz referência à matriz africana. É esta
expressão que afronta o princípio da isonomia.
Então, o parágrafo deveria permanecer, nos
seguintes termos: “Não se enquadra nesta vedação o livre exercício
de cultos e liturgia das religiões”. Com isso, estaria assegurado,
a toda e qualquer religião que manter esse tipo de prática.
Voto pelo acolhimento parcial da ação, exclusivamente
para afastar esta limitação, a matriz africana, mas mantendo, no ordenamento
jurídico estadual, o parágrafo único do referido artigo.
É como voto, Senhor Presidente.
DES. PAULO MOACIR
AGUIAR VIEIRA - Senhor Presidente, pediria um aparte. Parece-me
que o objeto da discussão não é o abate em si do animal no ritual
ou na cerimônia religiosa.
O problema todo se centraliza na crueldade aplicada
contra o animal. Todos estamos de acordo aqui, no Tribunal, parece-me,
e inclusive o próprio Ministério Público, de que este abate de animal,
em cerimônia religiosa, é possível. Isso é pacífico. O art. 2º,
I, veda a tortura ao animal, o sofrimento excessivo, e o parágrafo
único libera geral, quer dizer, não se enquadra, nesta vedação,
o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz africana.
Aí é que reside o problema.
O Ministério Público pretende que seja expungido
do ordenamento jurídico todo esse parágrafo único, porque, expungindo-o,
volta a vigorar, na integralidade, o art. 2º, que proíbe a crueldade
contra o animal.
DES. DANÚBIO EDON
FRANCO - Senhor Presidente, parece que as questões e os fundamentos
já foram muito bem explanados pelo eminente Relator, o eminente Revisor
e agora a Desa. Berenice, dando um novo rumo na colocação da ação,
mas, a rigor – e agora o Des. Vasco também me alertava -, isso era
matéria que não precisava ser regulada, pois, efetivamente, os maus-tratos
a animais em cultos ou não sempre foram tipificados como contravenção.
Com relação à previsão de outros cultos que também tenham essa
mesma prática – penso que o Des. Araken colocou muito bem -, nós
não somos legislador positivo, nós não podemos estender, mesmo porque
não se têm aqui, nos autos, que religiões são essas para que se
possa alcançá-las ou simplesmente abrir o campo para essa possibilidade.,
Por isso, estou acompanhado os eminentes Relator e Revisor.
DES. LUIZ ARI AZAMBUJA
RAMOS - De acordo com o Relator.
DES. JOÃO CARLOS
BRANCO CARDOSO - De acordo com o Relator.
DES. MARCO ANTÔNIO
BARBOSA LEAL - De acordo com o Relator.
DES. ROQUE MIGUEL
FANK - De acordo com o Relator.
DES. LEO LIMA
– De acordo com o Relator.
DES. MARCO AURÉLIO
DOS SANTOS CAMINHA - De acordo com o Relator.
DES. GASPAR MARQUES
BATISTA - De acordo com o Relator.
DES. ARNO WERLANG
- De acordo com o Relator.
DES. WELLINGTON PACHECO
BARROS – Eminente Presidente, fico imaginando esta discussão
na Bahia.
De acordo com o Relator.
DES. ALFREDO FOERSTER
– Inicialmente, no tocante a preliminar de incompetência deste Tribunal
para conhecer e julgar a matéria posta, acompanho o colega Relator,
e também afasto essa prefacial.
No mérito, com a devida vênia, divirjo do culto
Relator, pois entendo que a vida deve prevalecer, sempre. O Direito
Natural nos assegura isso, seja em relação aos seres humanos, seja
quanto aos animais. Eu não detectaria a questão da crueldade
(ou não). Penso que o fato em si, de sacrificar um ser humano
ou seja um animal, é ‘humanamente’ indesejável, em que pese o
respeito que merecem os cultos defensores do abate como o de sacrificar
animais.
A propósito, para se ter idéia do assunto em
sua real crueza, trago à colação o seguinte texto, in verbis:
“... O Secretário da Cultura [isso nos
idos do ano de 1955] compareceu uma ou duas vezes aos encontros de músicos
e participou da apresentação de encerramento. Quase como uma contrapartida,
ele convidou o visitante alemão para mostrar-lhe um outro lado do Brasil.
Levou-o a conhecer danças regionalistas gaúchas e, alguns dias depois,
a um cerimonial de macumba (quimbanda), um
batuque [candomblé e a chamada
umbanda cruzada (?)].
“33. BATUQUE
“Já ao pé
do morro, fora do centro da cidade, ouvia-se o som surdo dos tambores.
Há pouco Max havia me recomendado:
"Não fala nada. Nós chamaremos a atenção porque somos brancos.
Deixa Felipe falar; ele conhece essa gente".
“O negro Felipe, velho conhecido nosso,
subia à nossa frente pelo atalho já
profundamente marcado entre a capoeira.
“Logo ouvimos galinhas cacarejando, gansos
grasnando, o balir de ovelhas, os berros de cabras e gritos assustados
de pássaros. E, como toque de fundo, o constante soar dos tambores.
“Um rancho simples aparece
à nossa frente. Diante dele, uma multidão negra encobre a entrada
do pátio. As vozes dos animais ficam agudas e penetrantes. Felipe,
virando-se para nós, fala baixinho:
"Esses são os animais para o sacrifício".
“Max olha para mim, como a dizer:
‘Agora é manter a calma". A um sinal de Felipe, a massa de povo
abre-se em silencio e por uma apertada passagem atravessamos o pátio
até a porta do rancho. Um forte cheiro de suor e de animais nos envolve.
O pior era ver no pátio as pobres criaturas, amarradas, engaioladas,
que se debatiam assustadas, como se pressentissem seu destino, gritando
seus medos para a noite.
“Quando entramos no grande e
único cômodo do rancho, o soar rítmico dos tambores
é tão forte, que tenho que colocar o algodão nos ouvidos - que havia
levado junto comigo.
“Temos que tirar os sapatos, podendo ficar
de meias.
“A sala está
quase cheia, somente no centro há
um quadrado livre. Do lado oposto à entrada, na
única cadeira existente está sentado o
Pai do Terreiro, um negro alto e forte em suntuosa
vestimenta branca. Com o olhar dirigido para longe, nada via ao seu
redor. Junto dele alguns homens e mulheres, que em sua rigidez já dão
sinal de estar em transe. Vestem longos trajes brancos, amarrados na
cintura por uma simples corda. A cada lado do quadrado central, em direção
à porta aberta, postam-se cinco ou seis tamboreiros. Cada um tem sua
batida própria, mas em conjunto formam um só ritmo.
Às vezes - de repente - silenciam, para logo soar um forte rufar de
batidas de um só tambor - e já recomeçam todos com suas batidas rítmicas.
“Está
ficando difícil não se deixar enlevar por esses ritmos mágicos. Estamos,
como nos haviam indicado, na segunda fila, atrás dos tamboreiros. Pouco
depois de nossa chegada, os primeiros com as vestimentas brancas caem
em transe. Começam a dançar na parte livre da quadra, suas evoluções
ficam mais rápidas, seus pés descalços batem no chão, torcem-se
em requebros, reviram os olhos e sua respiração fica ofegante. Soltam
sons inarticulados e gritos, que são interpretados como profecias e
respostas do além. Cada um dos que está
em transe está tomado por um Orixá, para o qual antes já
haviam sido feitas perguntas.
“Passado o transe, os corpos caídos, inanimados,
são carregados para fora.
“Agora começa a matança dos animais. Iniciam
com os pássaros e as outras aves. Cada uma
é sacrificada em oferenda e gratidão por um pedido atendido. Hábeis
ajudantes, com prática, trazem as aves para o centro da quadra e, perante
o Senhor do Terreiro, decapitam-nas com facões
afiados. Afora o soar rítmico dos tambores, a matança
é feita em silêncio.
“Depois dos pequenos, chega a vez dos animais
maiores. Assim que são arrastados para dentro, acalmam-se como que
atordoados pelo som ensurdecedor dos tambores. São decapitados com
muita presteza - o facão deve estar afiadíssimo - e, como parece,
sem sofrimento para o animal-sic-. O cheiro animalesco do sangue encobre
todos os outros odores.
“Já se passara quase uma hora desde o começo
dos sacrifícios. Os tambores soam cada vez mais fortes. Sentimos que
o ponto culminante da noite está perto. E assim acontece: um enorme
boi e empurrado para dentro! Também ele parece calmo, como em transe.
Está parado agora na frente do
Senhor do Terreiro,que se levantara. E, antes
que o boi desse por si, teve sua cabeça decepada por um longo facão
em forma de espada. Nenhuma gota de sangue respingara na veste branca
do Senhor e Pai do Terreiro. Mas o sangue do boi jorra em tal quantidade,
que nós, na fileira de trás, já
pisamos dentro dele. O sangue quente embebe nossas meias até os tornozelos.
“Nesse instante,
o Pai do Terreiro, que caíra em transe, deixa que
coloquem a cabeça sangrenta do boi sobre sua própria. Ele a segura
com as duas mãos e começa a dança do sacrifício como
Orixá Supremo.
“O corpo do boi já
havia sido retirado.
“Rodeado pelos tamboreiros, que aceleram
suas batidas, e excitado pelo frenético bater de palmas dos presentes,
o Orixá Supremo dança no centro, enquanto o sangue
do boi escorre sobre ele, tingindo sua bela vestimenta...
“Não sei como suportei essa experiência
até o fim. Como saí dela, calcei os sapatos e cheguei em casa não
lembro mesmo. Nossas meias provaram na manhã seguinte que fora verdadeiro
o que assistimos” (assunto extraído do livro - De longe também se
ama – Recordações de uma vida no sul do Brasil e Alemanha
– Elisabeth Maschler – Editora Sinodal
– 2004, págs. 133/35).
No tocante à formalidade, entendo ser essa lei
inconstitucional, já que trata de matéria penal, da competência legislativa
privativa da União, nos termos do art. 22, I, da Constituição Federal,
como bem ressaltando pelo Procurador-Geral da Justiça, Dr. Roberto
Bandeira Pereira.
Tenho que essa matéria já está normatizada
na Lei Federal dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), que dispõe em
seu artigo 32:
“Praticar ato de abuso, maus tratos, ferir
ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos
ou exóticos:
“Pena – detenção, de três meses a um
ano, e multa.
“§ 1º - Incorre nas mesmas penas quem
realiza experiência dolorosa ou cruel com animal vivo, ainda que para
fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
“§ 2º - A pena
é aumentada de um sexto a um
terço, se ocorre morte do animal”.
Assim, essa regulamentação já teria ocorrido
pela União, dentro da competência firmada pelo artigo 23, incisos
VI e VII, da Constituição Federal, não cabendo ao Estado-membro estabelecer
relativizações, mesmo que com a intenção de assegurar a liberdade
de culto religioso, já que essa liberdade não se encontra ameaçada
pelas regras vigentes, com a devida vênia de enfoque em contrário.
Também entendo clara a inconstitucionalidade
material, diante da incompatibilidade do preceito legal contestado com
a Constituição Federal.
De acordo com o art. 5º, inciso VI, da Constituição
Federal:
“É inviolável a liberdade de consciência
e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos
e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas
liturgias”.
Portanto, é garantida pela Lei Maior a
inviolabilidade da liberdade de crença e de consciência e assegurado
o livre exercício dos cultos religiosos.
Nesse contexto, verifico que a lei estadual,
ao permitir o sacrifício de animais somente para as religiões de matriz
africana, cria um privilégio apenas para uma religião -em detrimento
da demais e também adeptas desses rituais-, atentando contra o princípio
da igualdade – art. 5º da Constituição Federal.
Por outro lado, ao excluir da vedação do art.
2º o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões
de matriz africana, dispõe o legislador estadual não estar resguardada
a determinação do Código Estadual de Proteção aos Animais – Lei
n. 11.915/03 – legislação esta que tem por origem o art. 225, inciso
VII, da Constituição Federal, que impõe ao Poder Público a proteção
à fauna e à flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem
em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies
ou submetam os animais à crueldade. A morte provocada, é algo cruel
em si, seja ela perpetrada com requintes ou não. Aí reside -na essência-
a divergência com o douto posicionamento do colega relator. A
HUMANIDADE tem de evoluir para a preservação da VIDA.
Assim, voto pela procedência integral do pedido,
declarando a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 2º
da Lei Estadual n. 11.915/03, acrescentado pela Lei Estadual n. 12.131/04,
por ofensa aos arts. 5º, “caput”, 19, IV, e 22, I, da Constituição
Federal, combinados com o art. 1º da Constituição Estadual nos termos
do pedido ministerial.
DES. SYLVIO BAPTISTA
NETO - De acordo com o Relator.
DES. JORGE LUÍS DALL'AGNOL
- De acordo com o Relator.
DES. JOSÉ
ANTÔNIO HIRT PREISS – Com relação à questão preliminar, de
acordo com o Relator e com o Revisor. Com a matéria em si, gostaria
de fazer algumas ponderações e peço vênia aos eminentes Colegas,
caso me alongue.
Quando freqüentador das ditas e chamadas casas
de religião, das quais de uma eu fui dirigente, nunca vi alguém sacrificar
um animal com crueldade. A morte é limpa e rápida.
Não existe esta de ecologista de final de semana
dizer que em casa de religião se pratica crueldade contra animais.
Alguém aqui mencionou rinhas de galo, brigas de cachorro, brigas de
pássaros. Alguém admite isto e acha muito bonito.
Nas Filipinas, cachorro é iguaria fina.
Um vizinho meu, pastor de igreja protestante, visitou as Filipinas e
nos narrou a homenagem que lhe fizeram: um cachorro foi deixado à
água durante 3 dias, depois, foi superalimentado. Logo após, foi morto
e assado. A iguaria fina era o estômago cheio daquela comida que ele
havia ingerido antes de morrer. Povos, costumes, etc.
O eminente Procurador de Justiça, aqui presente,
fez uma alusão a outras religiões, coisa que também foi mencionada
pelo eminente Relator.
Se me permitem, o Alcorão diz na Surata 22:
“Para cada povo temos instituído os ritos de sacrifício para que
invoquem o nome de Deus, sobre o que ele agraciou de gado. Vosso Deus
é único, consagrai-vos, pois, a Ele. E tu, ó mensageiro, anuncia
a bem-aventurança aos que se humilham, cujos corações estremecem
quando o nome de Deus é mencionado. Os perseverantes que suportam os
que lhes sucedem são observantes da oração e fazem caridade daquilo
com que os agraciamos, e vos temos designado os sacrifícios dos camelos,
entre os símbolos de Deus, neles tendes benefícios. Invocai, pois,
o nome de Deus sobre eles no momento do sacrifício e quando ainda estiverem
em pé, e, quando tiverem tombado, comei, pois, deles e dai de comer
aos necessitados, ao pedinte. Assim, vos sujeitamos para que nos agradeçais.
Nem suas carnes, nem seu sangue chegam até Deus. Outrossim, alcança-o
a vossa piedade. Assim, vo-lo sujeitou para que o glorifiqueis, para
vermos encaminhado. Anuncia, pois, a bem-aventurança aos benfeitores“.
Se vale para muçulmano, vale para africano;
se vale para africano e muçulmano, vale para judeu; se vale para judeu,
africano e muçulmano, vale para católico.
A nossa Constituição é clara, há
liberdade de culto no País. Felizmente, em 1889, quando proclamaram
a República, afastaram a religião do Estado. O Estado é laico, o
Estado não se mete em religião. Então, cada um que professe a sua
fé, cada um que se beneficie e ore a Deus ao seu modo.
Destarte, voto de acordo com o Relator.
DES. OSVALDO STEFANELLO
(PRESIDENTE) – Eminentes Colegas, eu tenho que esta questão é
de difícil e delicado equacionamento.
Há valores em confronto, liberdade religiosa
e de culto prevista na Constituição Federal, art. 19, inc. I, e no
inc. VI do art. 5º, ou seja, o direito tratado como uma das garantias
fundamentais asseguradas ao indivíduo, e o inc. VI é expresso, mais
do que o art. 19:
“VI - é inviolável a liberdade de consciência
e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos
e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas
liturgias”.
Porém, foi muito bem dito no voto do eminente
Relator que não há direitos absolutos, nem de culto religioso.
O único direito absoluto é o direito à vida. Pergunto se
é possível confundir liberdade de culto, de liturgia, de prática
religiosa com o sacrifício de animais? São seres vivos como nós.
Não há muita diferença entre um homem e um animal no que diz com
o ser um ser vivo, a não ser no chamado “espírito” ou “alma”,
da qual nós seríamos portadores.
O art. 13 da Constituição Estadual, que trata
da competência dos Municípios, nem é do Estado, estabelece que:
”É competência do Município, além da prevista na Constituição
Federal e ressalvada a do Estado: V - promover a proteção ambiental,
preservando os mananciais e coibindo práticas que ponham em risco a
função ecológica da fauna e da flora, provoquem extinção da espécie
ou submetam os animais à crueldade”.
O sacrifício de um animal não é
ato de crueldade? Faço esse questionamento, porque tenho sérias dúvidas
a respeito dessas questões que estão sendo discutidas e deveria pelo
menos justificar por que tenho dúvidas.
Daí que, com vênia e respeito aos
eminentes Colegas que já se posicionaram, vou pedir vista para,
com tranqüilidade, reler a questão, reestudá-la e numa das próximas
sessões trazer o meu voto.
É assim que voto.
DES. CACILDO DE ANDRADE
XAVIER – Com o brilhante e exaustivo voto do eminente Relator
e com os acréscimos, não menos brilhantes, do eminente Des. Vasco.
DES. ALFREDO GUILHERME
ENGLERT – Estamos frente à inconstitucionalidade formal tendo
em vista que compete à União, privativamente, legislar sobre matéria
de Direito Penal, conforme consta no brilhante parecer do Ministério
Público.
Quanto à inconstitucionalidade material
o próprio Ministério Público refere que: “No caso dos autos, porém,
esse risco inexiste, se fosse invalidada essa norma discutida, porquanto,
mesmo suprimindo dispositivo impugnado, não se estaria prejudicando
os cultos de matriz africana, os quais, com amparo na liberdade religiosa
constitucionalmente prevista, poderiam continuar com suas práticas
sacrificiais, apenas limitado pela ponderação com outros valores,
direitos e princípios constitucionais, como sempre se deu”.
Ouso discordar do eminente Relator no sentido
que não competia ao Estado do Rio Grande do Sul, membro da Federação,
ingressar nesse caminho, visto que é matéria reservada à União,
e também destacar que a retirada do ordenamento jurídico do parágrafo
único não vai invadir a seara dos cultos de qualquer natureza. Destaco
- já que várias religiões faziam sacrifícios, hoje algumas já não
fazem, havia o sacrifício do carneiro, mas isso tudo já mudou - que
as religiões também se estão modernizando, reconhecendo que cada
um tem direito à sua crença.
Destaco, primeiro, a inconstitucionalidade formal,
a qual entendo tranqüila, não pode o Estado se imiscuir nessa matéria;
segundo lugar, com relação à inconstitucionalidade material,
quero retirar do ordenamento jurídico essa norma que, parece, daria
um salvo-conduto aos praticantes do culto, no sentido de que poderiam
sacrificar com crueldade.
Os cultos de origem de matriz africana, estão
liberados, possuem o salvo-conduto. Acho que isso não é
possível, mesmo que não sejamos legisladores positivos, estamos aqui
para decidir a controvérsia. Reconhecemos a independência e harmonia
dos Poderes, mas como somos chamados a decidir a questão, acompanho
o argumento do voto do Des. Alfredo Foerster.
Julgo integralmente procedente a ação.
DES. ANTONIO CARLOS
NETTO MANGABEIRA – Aguardo o pedido de vista do eminente Desembargador-Presidente.
DES. ANTONIO CARLOS
STANGLER PEREIRA – O sacrifício de animais faz parte da ritualística
dos cultos afro-brasileiros, com raízes sociológicas e religiosas.
Temos casos de sacrifícios de animais por parte dos mulçumanos quando
termina o período do Ramadã, ocasião em que um cordeiro é degolado.
Na religião judaica existe o shochet, para o abate ritual de
animais e aves, mediante a degola. Nos frigoríficos quando se faz a
exportação de carne para Israel, também a matança observa a shechitá,
para que a carne seja considerada Kosher.
Exemplifica Alan Unterman, em Dicionário Judaico
de lendas e tradições, com relação ao vocábulo shechitá
(hebraico, significa “matança”, “abate”):
“Método
de abate ritual de animais e aves que consiste em passar rapidamente
uma faca na parte da frente da garganta. A shechitá
é prescrita pelas DIETÉTICAS para que a carne seja considerada KOSHER.
É realizada por um magarefe treinado, ou shochet, que deve ser um judeu
adulto do sexo masculino, credenciado por uma autoridade rabínica com
um certificado de fidedignidade”. (Jorge Zahar Editor, pág. 241/242).
Acrescento que na América do Sul, os descendentes
dos povos indígenas, em determinado período do ano, sacrificam uma
lhama, para regar a terra de sangue em homenagem a divindade, também
degolando o animal.
Aliás, a degola de animais é coisa muito
antiga, que vem dos tempos bíblicos.
Já assisti cerimônias religiosas de cultos
afro-brasileiros, com matança de animais de dois e quatro pés, aves
e bodes, que são degolados, mas nunca presenciei qualquer crueldade,
o que já não acontece em matadouros e frigoríficos, onde os bichos
são sacrificados muitas vezes de forma desumana, sem falar nos abatedouros
clandestinos.
Proibir o sacrifício de animais nos cultos afro-brasileiros,
é atentar contra a liberdade religiosa, na conformidade do inciso
VI do art. 5º da Constituição Federal, uma vez que a cerimônia
de iniciação, nessas religiões de origem africana, envolve sacrifício
de animais, quando o iniciado faz o bori, na linguagem popular
“bater cabeça”, uma vez que ori, em iorobá, significa
cabeça.
Esclarece Olga Gudolle Cacciatore, em Dicionário
de Cultos Afro-brasileiros, com relação ao significado de bori:
Bori (ou obori)
– Cerimônia ritual do Candomblé
e terceiros afins, também chamada
“dar de comer à cabeça“. Finalidades: Fortificar o espírito do
crente para suportar repetidas possessões, ou por estar por elas enfraquecido
(profilaxia e terapêutica), penitencia pela quebra de algum preceito,
dar resistência contra influências negativas.
É realizada na iniciação e fora dela e dedicada ao orixá
pessoal, “dono da cabeça”. A pessoa fica ajoelhada sobre uma esteira,
no roncó, vestida de branco. Após consulta ao orixá, sua cabeça
é esfregada com uma pasta de obi, orobô
etc., depois banhada com ervas sagradas e sangue de animal de duas patas,
sacrificado na hora, ritualmente. (Editora Forense Universitária, RJ,
3ª Edição, 1988, pág.68).
Para aqueles que não sabem, a língua dos orixás
é o iorobá, ou melhor dizendo o nagô, língua falada
na Nigéria, que se impôs nos cultos afro-brasileiros trazida pela
diáspora dos povos africanos.
Recentemente, entrei em contato por telefone
com um nigeriano, Félix Ayoh’OMIDIRE, que publicou uma obra para
o ensino de iorobá, denominada ABC da Língua, Cultura e Civilização
Iorubanas, editada pela EDUFBA (Editora da Universidade Federal da Bahia),
que mostra o interesse daquela universidade pela divulgação dessa
cultura que importamos da África e que aqui sentou raízes.
Um francês, Pierre Verger, depois de iniciado,
Pierre Fatumbi Verger, porque “Fatumbi” quer dizer renascido, e
que viveu parte de sua vida no Brasil e morreu na Bahia, além de seus
trabalhos fotográficos que o tornaram conhecido internacionalmente,
também escreveu e publicou obras a respeito dos orixás, pois as suas
viagens à África contribuíram para aprimorar sua cultura a respeito
da religião que atravessou o Atlântico e se implantou não só no
Brasil, como em todo o continente americano e especialmente nas Antilhas,
onde a diáspora africana se fez com mais intensidade.
Aliás, Pierre Verger, também publicou uma obra
sobre o tráfico, intitulada “O fluxo e o refluxo das águas do Golfo
de Benin e a Bahia de Todos os Santos”, um relato histórico dos mais
valiosos sobre a escravidão, uma infâmia que não pode ser esquecida,
mas que deitou no Brasil as suas raízes, através da religião e de
sua contribuição cultural, especialmente na música, onde a percussão
se incorporou definitivamente.
É de observar-se que no Haiti se pratica o vodu,
que também inclui o sacrifício de animais, por ter a mesma origem
religiosa vinda da África.
O mesmo Pierre Verger, publicou uma obra em edição
bilíngüe (iorobá/português) sobre a medicina
tradicional usada na África, especialmente na Nigéria, pois era profundo
conhecedor das coisas africanas, além de escrever sobre os orixás,
em edição da EDUSP – Editora da Universidade de São Paulo, também
a Editora Corrupio editou obras de Verger.
Não vejo como proibir a prática de uma religião
em sua plenitude de culto, apenas porque adota em seus rituais a matança
de animais, que nem sempre se faz presente, apenas em determinadas ocasiões.
Esclareço que o ano de 2005, é regido
por Oxum e Oxalá.
“Oxum, orixá
do rio Oxum em Oxogbo, província de Ibadan, na
Nigéria África Ocidental. Deusa das
águas doces – rios, lagos, cachoeiras
– bem como da riqueza e da beleza. Deusa-menina, faceira, a mais jovem
e preferida esposa de Xangô, por tanto uma das Rainhas de Oyó, segundo
os mitos. Há vários tipos ou
“qualidades” de OXUM: APARÁ (guerreira), O. PANDÁ
(esposa de Ibualama e mãe de Logunedé), IABÁ
OMI (ligada as apetebi), O. ABALÔ
(com leque) etc. É sincretizada com diversas N. Senhoras: das Candeias
(ou Candelária) (BA), Conceição (BA, RIO, Recife, Porto Alegre),
Virgem Maria (BA), N.S. do Carmo (Recife) etc. Como N.S. das Candeias,
sua festa é a 2 de fevereiro (Presente nas
águas), mas, na BA, também Yemanjá
é festejada nesse dia, sendo em troca, Oxum cultuada também na data
de Yemanjá, 8 de dezembro (N. S. da Conceição). Segundo os mitos,
Oxum é filha de Yemanjá. Atualmente em cultos não-tradicionais, Oxum
é às vezes confundida com Oxumarê, sendo o nome a
única semelhança com o deus do arco-íris. Símbolos
– espada (semelhando adaga) e abebé, em latão. A miniatura deste
fica junto ao otá (pedra de rio ou cachoeira
– U.), dentro de terrina de louça branca, no mel. Dia
– sábado. Comidas – omolocum, ipeté, adum, xim-xim de galinha
etc. Sacrifício – cabra, galinha, pata, conquém. No ossé anual
– ainda milho com coco, ovos cozidos etc. A pomba
é animal sagrado para Oxum, pois, segundo uma lenda, transformada em
pomba ela pode fugir do cativeiro. No peji, além das quartinhas, pratos,
vasilhas, com água e comida, para todos os orixás, há
para ela flores, perfumes, bonecas etc. Indumentárias
– amarelo-dourado – saia longa, blusa branca rendada (às vezes
sem blusa), pano da Costa amarelo (mais claro que saia) amarrado sobre
os seios, ojá com laço, para fixá-lo. Passando sobre
o pescoço e caindo até a saia, terminado em laços, outro ojá. Na
cabeça sobre ojá com pontas caídas nas costas, o adê
(coroa) com franjas de miçangas, em latão, ou de pano bordado com
vidrilhos e miçangas. Colares – fios de contas amarelo-ouro, translúcidas,
colar de balangandãs (pentes, espelhos, peixes, colheres etc.) em latão
(metal amarelo) e argolão do mesmo metal, de que são também as 4
pulseiras (2 braceletes, 2 punhos). Nas mãos, espada e abebé
de latão.
Na Umbanda
(na mais próxima do Candomblé, usa roupa dourada e colares azuis),
veste branco e azul. É chefe da Falange da Sereias, na linha vibratória
de Yemanjá. É chamada, carinhosamente,
“Mamãe Oxum” e sincretizada com N.S. da Conceição.
É muito cultuada nas cachoeiras. Sua graciosa dança imita uma mulher
faceira tomando banho no rio, penteando os longos cabelos etc. No Candomblé
representa a feminilidade por excelência e
é patrona da gravidez protetora das crianças que ainda não falam.
(ob. cit. Olga Gudolle Cacciatore, Editora Forense Universitária, RJ,
3ª Edição, 1988, pág. 202/203).
OXALÁ, nome brasileiro de OBATALÁ, orixá
ioruba da criação da humanidade, filho de OLÓRUM, deus supremo, o
qual lhe delegou poderes para governar o mundo.
É sincretizado com o Sr. do Bonfim (filho do Deus católico).
Tem duas formas: a da mocidade, guerreiro cheio de vigor e nobreza,
nome OXAGUIÃ e da velhice, cheia de bondade, figura nobre e curvada
ao peso dos anos, apoiada em seu cajado (paxorô), O OXALUFÃ. Tem,
na África, vários nomes, conforme o lugar em que
é cultuado: OBATALA (em toda a Nigéria), ORIXÁ
OGUINHÃ (em Ejigbo), ORIXAAKÔ (em Oko) etc. ORIXALÁ
(o grande Orixá) é um dos seus títulos.
É o rei dos orixás e dos homens, o mais querido e respeitado dos deuses
afro-brasileiros. Na Umbanda é chefe da linha de Santo
(ob. cit. Fls. 200/201).
Assim sendo, encaminho o voto no sentido de que
não se pode afastar dos cultos afro-brasileiros o sacrifício de animais,
pois faz parte do culto e não são mortos com requintes de crueldade.
DES. RANOLFO VIEIRA
– Com o eminente Relator.
DES. VLADIMIR GIACOMUZZI
- Estou naturalmente acompanhando o eminente Relator no que concerne
à preliminar de incompetência do Órgão Especial para examinar a
matéria.
A Lei Estadual nº 11.915 estabelece, no art.
2º, que é vedado, entre outras coisas, obrigar animais a trabalhos
exorcitantes e que ultrapassem as suas forças; não dar morte rápida
e indolor a todo animal, cujo extermínio seja necessário para consumo;
exercer a venda ambulante de animais para menores desacompanhados por
responsável legal; enclausurar animais com outros que os molestem ou
aterrorizem; sacrificar animais com venenos ou outros métodos não
preconizados pela Organização Mundial da Saúde nos programas de profilaxia
da raiva; manter animais em local completamente desprovido de asseio
que lhes impeça a movimentação; ofender ou agredir fisicamente os
animais, sujeitando-os a qualquer tipo de experiência capaz de causar
sofrimento ou dano, bem como as que criem condições inaceitáveis
de existência.
No âmbito da competência supletiva do Estado,
está-se explicitando situações que são proibidas na Lei das Contravenções
Penais. No parágrafo único deste art. 2º, acrescido por esta Lei
nº 2.131, de 2004, que se controverte, diz-se que não se enquadra
nessa vedação do art. 2º, com seus 7 incisos, o livre exercício
do culto e liturgias das religiões de matriz africana. Se se está
dizendo que essas vedações indicadas no art. 2º podem ser praticadas
quando do livre exercício do culto religioso, tal como entendeu o Ministério
Público, entendo que a lei é inconstitucional. É isso que se procurou
dizer exatamente neste parágrafo único. Tanto é assim que o eminente
Relator, no seu brilhante voto, afasta a procedência da ação, fazendo
a seguinte ressalva: “Se, no entanto, no exercício do culto religioso
da religião de matriz africana vier a se praticar um fato contravencional,
ficarão os responsáveis sujeitos às sanções penais ali previstas”.
Na realidade a lei, na parte impugnada, procurou
criar uma causa de exclusão de ilicitude ou de isenção de pena, sem
que para tanto tenha o Estado membro competência. O exercício de culto
religioso é garantido pela Constituição mas não à custa da prática
de infração penal. Daí por que estou, pedindo vênia ao eminente
Relator e aos que o seguiram, acompanhando o voto do eminente Des. Foerster,
com as observações do Des. Englert.
DES. PAULO MOACIR
AGUIAR VIEIRA - Com relação à preliminar, estamos todos de acordo
no sentido de rejeitar.
Quanto ao mérito, no que diz respeito ao aspecto
da inconstitucionalidade formal, acompanho o parecer do Ministério
Público em 2º Grau e a manifestação oportuna do Colega Englert.
Considero que a Lei Estadual nº 12.131/04,
acrescentando o parágrafo único ao art. 2º da Lei Estadual nº 11.915/03,
é formalmente inconstitucional por tratar indevidamente de matéria
penal da competência legislativa privativa da União.
Segundo este parágrafo único, não haveria
infringência ao Código Estadual de Proteção dos Animais no sacrifício
ritual em cultos e liturgias de religiões de matriz africana, pois
a Lei Estadual nº 11.915, operando supletivamente em relação à legislação
federal, elencou uma série de condutas consideradas vedadas, que o
Colega Vladimir, que me antecedeu, acabou de ler.
Penso, como o Colega Vladimir, que o legislador
estadual foi infeliz ao editar esta Lei nº 12.131/04, que o Ministério
Público impugna, acrescentando um parágrafo único a este art. 2º,
dizendo simplesmente que não se enquadra nessa vedação o livre exercício
dos cultos ou liturgias das religiões de matriz africana. Quer dizer,
dando, como salientou o Colega Englert, um salvo-conduto para a prática
de todas essas condutas elencadas como proibidas.
O que ocorre na prática, todos nós sabemos,
e o Colega Preiss bem salientou, assim como vários Colegas com experiências
pessoais nesse sentido, é que o povo de religiões africanas, via de
regra, não pratica essas condutas, não faz parte da cultura esta prática.
Mas ocorre que - e todos nós que conhecemos bem o ser humano e somos
Juízes no crime sabemos bem disso - existem condutas diferenciadas.
Por exemplo, no homicídio, existe o simples e o qualificado pelo emprego
de meio cruel ou pela tortura. Essas condutas recebem apenamentos diferentes.
Todos nós estamos de acordo, não existe nenhuma
divergência neste Tribunal, de que o sacrifício de animais em rituais
religiosos é possível, é permitido, só não estamos de acordo quanto
ao emprego da crueldade neste sacrifício, e a crueldade é vedada justamente
pelo art. 2º da Lei Estadual nº 11.915.
Assim como 95 a 99% dos participantes de religiões
africanas jamais incorrerão em práticas cruéis, haverá também aquele
que vai praticar a crueldade, que vai matar um bode a porrada, sob o
efeito de bebida alcoólica, se dizendo tomado por uma entidade. E isso
é infração penal. Não importa se esta conduta for praticada dentro
ou fora de um ritual religioso.
O Ministério Público tem razão quando quer
expungir esse parágrafo único, pois ele é absolutamente esdrúxulo.
Não teria nada que ter sido editado pela Assembléia Legislativa, primeiro,
porque esta não é competente para criar excludentes de criminalidade,
assim como não é competente para legislar sobre matéria penal e menos
competente ainda para criar causas de exclusão de crime. Esse que é
o ponto que está em discussão, aqui, e não liberdade religiosa.
Não estamos discutindo liberdade religiosa neste
julgamento. O que estamos discutindo é a infelicidade da criação
desta Lei Estadual nº 12.131, que, por meio da criação deste
parágrafo único, quer liberar geral pessoas que, eventualmente praticando
sacrifícios de animais, o façam daquela forma proibida.
O animal também tem que ser lembrado, pois pode
ser sacrificado sim. E quem somos nós para dizer que um animal não
pode ser abatido? Nós, que somos gaúchos, que comemos carne quase
todos os dias.
Nenhum gaúcho vai dizer isso com relação a
animal nenhum, mas nenhum gaúcho quer ver animal nenhum ser abatido
com crueldade, que é o que o art. 2º da lei anterior vedou,
e que, agora, alguém na Assembléia Legislativa propôs esse parágrafo
único para liberar geral a forma como esse animal é abatido, e, nesse
caso, o Ministério Público tem razão em se insurgir. Claro, é uma
organização séria, estruturada para fiscalizar a aplicação da lei.
Aqui, no parecer sereno, isento, do Dr. Antônio
Carlos, ele defende que todos são iguais perante a lei. Há o princípio
superior da isonomia, portanto, a lei deve ser aplicada.
Então, agora, vêm os Colegas e dizem, o próprio
Relator diz, que não vão deixar de aplicar a lei, mas, se prevalecer
esse parágrafo único malsinado, aquele que praticar a crueldade desnecessária
vai ter alforria para, depois, no processo criminal, alegar: “bom,
a mim não pode ser aplicada pena, porque estou sob o manto de ter praticado
essa ação em um ritual religioso”.
Então, o Promotor vai dizer: “você estava
praticando esta ação num ritual religioso, mas estava sob o efeito
de cachaça, estava embriagado ao último. Você matou este bode com
crueldade, com porradas, levou 20 minutos para eliminar esse bode coitado,
para depois dizer para algumas pessoas ignorantes que você está tomado
por uma entidade religiosa”. E, aí, o Promotor não vai poder fazer
nada, porque há um texto de lei, consubstanciado nesse parágrafo único,
que está liberando geral.
Então, entendo que, com toda a razão, o Ministério
Público, no sério exercício de fiscalização que lhe compete, entrou
com esta ação, com esta ADIn, visando expungir este parágrafo único.
Concordo, então, plenamente, com o Ministério
Público. Vejo inconstitucionalidade formal e material. Dou pela procedência
integral da ação, Senhor Presidente, com a máxima vênia dos que
entenderam o contrário.
DES. ANTONIO CARLOS
STANGLER PEREIRA - Senhor Presidente, houve um engano da minha parte,
um equívoco. Retiro a preliminar em que eu disse que ficava com o Ministério
Público. O Ministério Público não argüiu a incompetência do Tribunal.
Vou acompanhar o voto do nobre Relator no sentido de acolher a competência.
DES. OSVALDO STEFANELLO
(PRESIDENTE) – Quero apenas perguntar aos eminentes Colegas Englert,
Giacomuzzi e Paulo Moacir, que falaram em preliminar de incompetência
do Estado, se querem que realce essa preliminar.
DES. ALFREDO GUILHERME
ENGLERT – Todos estão de acordo agora.
RESULTADO PARCIAL:
“TENDO VOTADO O DESEMBARGADOR-RELATOR REJEITANDO A PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA
DO TRIBUNAL PARA CONHECIMENTO E JULGAMENTO DA MATÉRIA, NO QUE FOI ACOMPANHADO
PELOS DEMAIS DESEMBARGADORES QUE VOTARAM, SENDO SEU VOTO PELA IMPROCEDÊNCIA
DA AÇÃO, ACOMPANHADO PELOS DESEMBARGADORES REVISOR, DANÚBIO EDON
FRANCO, LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS, JOÃO CARLOS BRANCO CARDOSO, MARCO
ANTÔNIO BARBOSA LEAL, ROUE MIGUEL FANK, LEO LIMA, MARCO AURÉLIO
DOS SANTOS CAMINHA, GASPAR MARQUES BATISTA, ARNO WERLANG, WELLINGTON
PACHECO BARROS, SYLVIO BAPTISTA NETO, JORGE LUIS DALL'AGNOL, JOSÉ ANTÔNIO
HIRT PREISS, CACILDO DE ANDRADE XAVIER, ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA
E RANOLFO VIEIRA, VENCIDA EM PARTE A DESEMBARGADORA MARIA BERENICE DIAS,
VENCIDOS OS DESEMBARGADORES ALFREDO FOERSTER, ALFREDO GUILHERME ENGLERT,
VLADIMIR GIACOMUZZI E PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA, QUE JULGAVAM PROCEDENTE
A AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, PEDIU VISTA O PRESIDENTE. AGUARDA
A VISTA O DESEMBARGADOR ANTONIO CARLOS NETTO MANGABEIRA”.
CONTINUAÇÃO DO
JULGAMENTO
PEDIDO DE VISTA
DES. OSVALDO STEFANELLO
(PRESIDENTE) - Encaminho o voto pela procedência da ação,
na esteira do posicionamento adotado pela minoria, da qual fazem parte
os Desembargadores Englert, Foester, Vladimir e Paulo Moacir.
Em primeiro lugar, tenho que a referida lei é
formalmente inconstitucional, pois elaborada por quem não detém competência.
Nesse sentido, muito bem apanhado pelo ilustre Procurador-Geral de Justiça,
visto competir privativamente à União legislar sobre direito penal,
nos exatos termos do inciso I do artigo 22 da Constituição Federal.
Não poderia o Estado legislar de modo a excluir
o abate de animais em rituais religiosos da tipificação prevista no
artigo 32 da Lei dos Crimes Ambientais. Restou, portanto, invadida a
esfera de competência privativa da União.
A matéria, nos limites da regulamentação promovida
pela lei impugnada, já está normatizada na Lei Federal dos
crimes ambientais (9.605/1998), consoante se verifica do seu artigo
32:
“Praticar ato de abuso, maus-tratos,
ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos
ou exóticos:
Pena
– detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem
realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para
fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º A pena
é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal”.
Esta regulamentação de ordem federal privativa,
conforme artigo 22, inciso I, da Constituição Federal no aspecto penal,
também no âmbito da proteção ao meio ambiente embora concorrente,
já teria ocorrido pela União, dentro da competência firmada pelo
artigo 23, incisos VI e VI, da Constituição da República.
Assim, de uma forma ou de outra, os valores constitucionalmente
eleitos como de resguardo pela ordem jurídica no que se refere aos
animais, já se encontram tutelados, descabendo ao Estado-membro estabelecer
relativizações, ainda que em nome de assegurar a liberdade de culto
religioso, visto que em momento algum esta liberdade se encontra diretamente
ameaçada pelas regras mencionadas já vigentes.
Ao contrário, na ponderação com o princípio
constitucional invocado, a liberdade de culto resta assegurada e a liturgia
dos cultos submete-se aos limites impostos pela Constituição Federal,
de modo que o espaço social seja constituído de acordo com os pontos
de interesse público eleitos pela sociedade.
Não cabe ao Estado-membro ocupar ou modificar
espaço social já solidificado a partir da Carta Federal, que
estabeleceu as competências federativas de resguardo dos valores inerentes
à vida, inclusive de animais, e cuja proteção restou delimitada.
Em segundo lugar, no que pertine à inconstitucionalidade
material, nítida é a incompatibilidade do preceito legal vergastado
com a Constituição Federal.
Isso porque a Carta Maior diz ser inviolável
a liberdade de crença e de consciência, assegurando o livre exercício
dos cultos religiosos (artigo 5º, inciso VI) e, sendo assim,
quando a lei estadual permite o sacrifício de animais somente para
as religiões de matriz africana, privilegia apenas uma dentre tantas
outras religiões que também utilizam rituais com sacrifício de animais.
A norma objurgada, neste aspecto, cria exceção, distinguindo somente
as religiões com raízes africanas, atentando contra o princípio da
igualdade, inserto no artigo 5º caput, de observância obrigatória
e criando preferências num estado laico, com vedação expressa no
artigo 19, inciso III, ambos da Carta Maior.
Por isso, fazendo distinção que a própria
Constituição da República não faz, e violando a organização política-social
expressando preferência ao excepcionar determinada expressão religiosa,
padece ela da eiva de inconstitucionalidade.
No Brasil o sincretismo religioso permite a convivência
pacífica entre inúmeras seitas, religiões, cultos e crenças onde
cada qual escolhe a forma que melhor expresse suas crenças religiosas.
Entretanto, ainda que a lei crie um estado de liberdade geral para que
todos possam praticar sua religião, não define tais ou quais religiões
teriam permissão para sacrificar animais. Se a Lei Maior não o fez,
apenas concedeu ampla liberdade para que as crenças fossem externadas,
não pode lei local permitir somente às religiões africanas o abate
de animais em seus rituais.
De outro lado, ao excluir da vedação do artigo
2º o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz
africana, estabelece o legislador estadual que para a finalidade
exclusiva destes cultos e liturgias não está resguardado o valor protegido
pelo Código Estadual de Proteção aos Animais – Lei nº 11.915/2003,
legislação esta que dava suporte ao sentido constitucional do disposto
no artigo 225, inciso VII, onde expressamente impõe ao Poder Público
a efetivação deste direito do meio ambiente. A efetivação por certo
que sofre parcial violação, ao se excluir as liturgias de matriz africana
da submissão constitucional.
Por estes motivos, julgo procedente a ação.
É como voto.
DES. LUIZ ARI AZAMBUJA
RAMOS – Senhor Presidente, a suspensão do julgamento, com o pedido
de vista de Vossa Excelência, permitiu-me refletir novamente sobre
a matéria, sempre destacada como extremamente polêmica. E o fazendo,
ainda em tempo, quero retificar o voto que proferi na ocasião, quando
acompanhei o eminente Relator, a quem rogo vênia, assim como aos eminentes
Desembargadores que o acompanharam.
Para evitar repetições, já que o tema
foi amplamente discutido, faço-o pelos fundamentos externados na respeitável
posição do Ministério Público, na inicial e em sua manifestação
derradeira, com os substanciosos acréscimos do voto de vista
ora proferido por Vossa Excelência.
Apenas para justificar, resumo o meu ponto de
vista no entendimento de que não poderia o Estado legislar a respeito,
excluindo da tipificação penal matéria claramente da órbita legislativa
federal, e isso para privilegiar uma crença religiosa, a ponto de permitir
o sacrifício de animais.
Daí a refletida compreensão de que, como
sustenta o proponente, a lei impugnada efetivamente padece do vício
de inconstitucionalidade, tanto de natureza formal como
material.
Razão pela qual, renovada vênia, estou em acompanhar
a dissidência, ao efeito de julgar a ação procedente.
DES. ARNO WERLANG
– Eminente Presidente, da mesma forma, na mesma linha, também estou
modificando o meu voto no sentido de julgar procedente pelos fundamentos
ora apresentados por Vossa Excelência.
DES. ROQUE MIGUEL
FANK – Eu também, Senhor Presidente, retifico o meu voto e acompanho
Vossa Excelência.
DES. ANTONIO CARLOS
NETTO MANGABEIRA – Senhor Presidente, estou aderindo ao entendimento
da dissidência.
Conforme foi muito bem salientado no voto de
Vossa Excelência, a lei impugnada é inconstitucional sob o ponto de
vista formal, visto que compete privativamente à União legislar sobre
Direito Penal. Legislando o Estado a respeito, invadiu a competência
privativa da União. Inconstitucional também sob o ponto de vista material,
considerando que a lei estadual, privilegiando apenas uma dentre tantas
outras religiões que utilizam rituais com sacrifício de animais, atenta
contra o princípio de igualdade, criando preferência.
Voto, pois, pela procedência da ação de inconstitucionalidade
do texto legal impugnado, aderindo aos fundamentos da dissidência.
DES. MARCO AURÉLIO
DOS SANTOS CAMINHA – Senhor Presidente, antes que seja anunciado
o resultado, também gostaria de modificar meu voto, pedindo a mais
respeitosa vênia ao eminente Relator, pois, assim como o Des. Luiz
Ari, também refleti sobre a matéria enquanto suspenso o julgamento,
alinhando-me ao voto proferido ao início do julgamento pelo condutor
da dissidência, o Des. Englert, com as considerações feitas pelo
eminente Des. Paulo Moacir.
De sorte que, Senhor Presidente, retificando
o voto, estou julgando no sentido da procedência da ação.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Nº 70010129690, DE PORTO ALEGRE: “POR MAIORIA, JULGARAM IMPROCEDENTE
A AÇÃO, VENCIDOS OS DESEMBARGADORES ALFREDO GUILHERME ENGLERT, ALFREDO
FOERSTER, VLADIMIR GIACOMUZZI, PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA, PRESIDENTE
E ANTONIO CARLOS NETTO MANGABEIRA, COM ALTERAÇÃO DE VOTO, NESTA SESSÃO,
DOS DESEMBARGADORES LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS, ROQUE MIGUEL FANK, MARCO
AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA E ARNO WERLANG”.
SBDS
Fonte: TJ/RS
2 comentários:
Olá, sou Félix Ayoh'OMIDIRE. Queria lhe pedir esclarecimentos a respeito da citação do meu nome neste artigo. Não me lembro ter conversado "recentemente" com o autor deste artigo. Quando foi isso mesmo? que número de telefone uso para falar comigo?
Boa tarde, Dr. FELIX!
Em atenção ao seu comentário, esclareço,embora a postagem não me pareça deixar dúvida, que se trata de acórdão do TJ/RS, ONDE FORAM ENXERTADAS IMAGENS, circunstância que está destacada na matéria, com uma observação especifica.
A afirmação de ter havido contato com sua pessoa não é minha, mas do relator do acórdão.
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