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Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

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quinta-feira, 21 de junho de 2012

DECISÃO JUDICIAL SOBRE SACRIFÍCIO DE ANIMAIS EM RITUAIS RELIGIOSOS

A MORTE PROVOCADA PELO SER HUMANO, NÃO É  CRUELDADE  EXTREMADA  CONTRA OS ANIMAIS?
As fotos e textos que não integram o acórdão do TJ/RS foram enxertados pelo mantenedor deste blog.

Antes de ser sacrificada, cabra recebe abraço de menino indiano. Muçulmanos de todo o mundo comemoram o Eid al-Adha, ritual tradicional que ocorre após a peregrinação a Meca  Foto: AP



Moradores observam enquanto homens sacrificam animais em uma escola na cidade de Lahore, no Paquistão  Foto: AP

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70010129690
Porto Alegre
18-04-2005
Araken de Assis

        CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA. SACRIFÍCIO RITUAL DE ANIMAIS. CONSTITUCIONALIDADE.
        1. Não é inconstitucional a Lei 12.131/04-RS, que introduziu parágrafo único ao art. 2.°  da Lei 11.915/03-RS, explicitando que não infringe ao  “Código Estadual de Proteção aos Animais” o sacrifício ritual em cultos e liturgias das religiões de matriz africana, desde que sem excessos ou crueldade. Na verdade, não há norma que proíba a morte de animais, e, de toda sorte, no caso a liberdade de culto permitiria a prática.
        2. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. VOTOS VENCIDOS.

        Iranianos compram uma ovelha para ser abatida durante o Eid al-Adha, em Teerã  Foto: AFP

Sacrifício ritual de animais na Indonésia (Yusuf Ahmad/Reuters)
Ação Direta de Inconstitucionalidade Tribunal Pleno
Nº  70010129690 Porto Alegre
EXMO. SR. DR. PROCURADOR-GERAL DE JUSTIçA PROPONENTE
ASSEMBLéIA LEGISLATIVA DO ESTADO do rio grande do sul
REQUERIDa
EXMO. SR. GOVERNADOR DO ESTADO do rio grande do sul
REQUERIDO
EXMO. SR. DR. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO do rio grande do sul
INTERESSADO



ACÓRDÃO
           Vistos, relatados e discutidos os autos.
           Acordam os Desembargadores integrantes do Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar a preliminar de incompetência do Tribunal de Justiça para conhecimento e julgamento da matéria e, por maioria, em julgar improcedente a ação, vencida em parte a Desembargadora Maria Berenice Dias e vencidos integralmente os Desembargadores Alfredo Guilherme Englert, Alfredo Foerster, Vladimir Giacomuzzi, Paulo Moacir Aguiar Vieira, Presidente e Antonio Carlos Netto Mangabeira, com alteração de voto, na última sessão, dos Desembargadores Luiz Ari Azambuja Ramos, Roque Miguel Fank, Marco Aurélio dos Santos Caminha e Arno Werlang.
           Custas na forma da lei.
           Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Osvaldo Stefanello (Presidente), Des. Cacildo de Andrade Xavier, Des. Alfredo Guilherme Englert, Des. Antonio Carlos Netto Mangabeira, DES. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA, Des. Ranolfo Vieira, Des. Vladimir Giacomuzzi, DES. PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA, Des. Vasco Della Giustina, Desa. Maria Berenice Dias, DES. DANÚBIO EDON FRANCO, Des. Luiz Ari Azambuja Ramos, Des. João Carlos Branco Cardoso, DES. MARCO ANTÔNIO BARBOSA LEAL, Des. Roque Miguel Fank, Des. Leo Lima, Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha, Des. Gaspar Marques Batista, Des. Arno Werlang, DES. WELLINGTON PACHECO BARROS, Des. Alfredo Foerster, Des. Sylvio Baptista Neto, Des. Jorge Luís Dall´Agnol e Des. José Antônio Hirt Preiss.
Porto Alegre, 18 de abril de 2005.


Ovelha sacrificada durante o Eid al-Adha na capital iraniana  Foto: Reuters

DES. ARAKEN DE ASSIS,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Araken de Assis (RELATOR) - O Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral de Justiça propõe ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei Estadual 12.131/04, que acrescentou o parágrafo único ao art. 2º da Lei Estadual 11.915/03
           Segundo alega, a Lei Estadual 12.131/04 é  inconstitucional formal e materialmente. Sustenta, no plano formal, que direito penal é matéria de competência legislativa privativa da União. Aduz que, mesmo que não se entenda tratar-se de matéria penal, mas tão-somente de proteção à fauna, o Estado, no exercício da sua atividade normativa supletiva, não poderia desrespeitar as normas gerais editadas pela União. No plano material, sustenta a ocorrência de ofensa ao princípio da isonomia, ao excepcionar apenas os cultos de matriz africana. Requer liminar, a fim de sustar os efeitos do parágrafo único do art. 2º da Lei Estadual 11.915, acrescentado pela Lei Estadual 12.131/04 (fls. 02/12).
           Indeferida a liminar (fls. 152/153).
           Postulam a intervenção no feito: (a) Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras; (b) Cedrab – Congregação em defesa das Religiões afro-brasileiras,; (c) Unegro – União dos Negros pela Igualdade; (d) Ilê Axé Yemonja Omi-Olodo e C.E.U Cacique Tubinambá; (e) Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT, através da petição de fls. 162/163, invocando a condição de amicus curiae, e sua condição de terceiros interessados, nos termos dos artigos 50 e 52 do Cód. de Proc. Civil. Também pleiteia ingresso, nas mesmas condições, o Movimento Negro Unificado – MNU, invocando o art. 7.°, da Lei 9.868/99, através da petição de fls. 440/465.
           Indeferi a intervenção, admitindo, porém, as peças à guisa de esclarecimento da matéria (fls. 521/523).
           A Mesa da Assembléia Legislativa do Estado prestou informações, argüindo, preliminarmente, a incompetência do juízo. No mérito, aduziu que a norma impugnada não é inconstitucional, nem frente a CF/88 nem frente a CE/89. Sustentou que os rituais das religiões de matriz africana pressupõem o sacrifício de animais domésticos em suas liturgias, animais estes criados em cativeiros, para este fim específico, não havendo afronta a Lei 9.605/98. Postulou a improcedência do pedido, haja vista ausência de vício de inconstitucionalidade na matéria sub judice (fls. 477/489).
           O Governador do Estado manifestou-se, requerendo a manutenção da Lei Estadual 12.131/04 no ordenamento jurídico, declarando-se a inconstitucionalidade por omissão da lei, cientificando-se o órgão legislativo para que tome as medidas necessárias ao cumprimento das Constituições Estadual e Federal (fls. 500/509).
           O Procurador-Geral de Justiça reiterou o pedido de letra d da fl. 12, opinando pela procedência da ação, para declarar inconstitucional o parágrafo único do art. 2º da Lei Estadual 11.915/03, acrescentado pela Lei Estadual 12.131/04 (fls. 531/537).
           É o relatório.

Sacrifício ritual de animais na Indonésia (Yusuf Ahmad/Reuters)
VOTO
Des. Araken de Assis (RELATOR) – Senhor Presidente.
           1. É competente o presente Tribunal para apreciar a inconstitucionalidade, à luz do art. 125, § 1.°, da CF/88, pois, conforme pondera o Sr. Procurador-Geral de Justiça, haja vista a repetição e absorção das normas da Carta da República pela Carta do Estado (vide AgrRcl 425-RJ, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, DJU 22.10.93, p. 22.252).


Sacrifício ritual de animais na Indonésia (Yusuf Ahmad/Reuters)
           Indeferi a liminar sob os seguintes fundamentos (fls. 152/153): 
          Não há relevância nos fundamentos da inconstitucionalidade. Em relação ao art. 32 da Lei 9.605/98, e, pois, à usurpação da competência legislativa da União em matéria penal (art. 22, I, da CF/88), assinalo que o art. 2.°, parágrafo único, da Lei 11.195/03, com a redação da Lei 12.131/04, tão-só pré-exclui dos atos arrolados no próprio dispositivo as práticas religiosas. De modo algum se pode pretender que tal dispositivo elimine o crime capitulado no art. 32 da Lei 9.605/98, ou que semelhante excludente de antijuridicidade se aplique nesta esfera. Os efeitos da norma se exaurem no âmbito do “Código Estadual de Proteção aos Animais” e de suas sanções. 
          Por outro lado,  da lição de CELSO ANTÔNIO PACHECO FIORILLO (Curso de direito ambiental brasileiro, p. 95, São Paulo: Saraiva, 1995) resulta claro que, no aparente conflito entre o meio ambiente cultural e o meio ambiente natural, merecerá tutela a prática cultural – no caso, sacrifício de animais domésticos – que implique “identificação de valores de uma região ou população”. Bastaria, a meu ver, um único praticante de religião que reclame o sacrifício de animais para que a liberdade de culto, essencial a uma sociedade que se pretenda democrática e pluralista, já atue em seu benefício. Dir-se-á que nenhum direito fundamental se revela absoluto. Sim, mas o confronto acabou de ser revolvido através do princípio da proporcionalidade. Ao invés, dar-se-ia proteção absoluta ao meio ambiente natural proibindo, tout court, o sacrifício ritual. 
          Finalmente, a existência de outras religiões que se ocupam do sacrifício ritual de animais não torna, de per si, inconstitucional a disposição. Ela se mostraria apenas insuficiente e suscetível de generalização.
          Assim, não se configuram os requisitos necessários à concessão da liminar. 
           O primeiro fundamento da inconstitucionalidade é improcedente. Em tese, não há inconstitucionalidade formal, senão o vício atingiria o próprio “Código Estadual de Proteção aos Animais”. Por outro lado, como adiante explicarei, nada exclui a incidência de normas penais em casos concretos e específicos, preenchidos os respectivos pressupostos.
           No que tange à inconstitucionalidade material, há que se realizar a ponderação dos interesses envolvidos. De um lado, há a liberdade de cultos, impedindo o art. 19, I, da Carta da República qualquer embaraço. Não se cuida, propriamente, de liberdade de crença, mas, sim, das suas exteriorizações práticas. Sucede que sempre se entendeu passível de restrições tal liberdade. Por sinal, dificilmente se localizará direito fundamental absoluto, exceto (no direito brasileiro) o direito à vida (humana). Já PONTES DE MIRANDA (“Religião”, n.° 4, p. 143, Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, V. 48. Rio de Janeiro: Borsói, s/d) ponderava:
          “No estado atual do direito público, a liberdade de cultos é limitada por medidas de ordem pública, com o mesmo critério que preside às outras limitações: as práticas – assim em atos como em palavras – têm de respeitar as leis penais, isto é, não podem ser tais que constituam crimes ou contravenções; nem lhes seria permitido infringir as outras liberdades”.

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          Em 21 de abril de 2011, um curioso ritual foi realizado no Quirguistão, na Ásia Central. Para acabar com maus espíritos de um lugar que enfrentou duas revoltas populares, lutas e invasões policiais, os deputados do país decidiram sacrificar sete ovelhas dentro do parlamento. Cada deputado ofereceu cerca de R$ 30 para realizar o ritual. O restante foi doado para insituições que atendem idosos e órfãos.

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           Por óbvio, tais limites variaram ao longo do tempo, e hoje ficam restringidos tão-só à lei penal e aos demais direitos fundamentais, conforme percebeu, sob a Constituição de 1947 da República da Itália, PIETRO AGOSTINO d’AVACK (“Libertà religiosa”, n.° 5, p. 598, Enciclopedia del Diritto, V. 24, Milão: Giuffrè, 1974) acentuou: 
          “Sifatti limite sono bensì modestissimi in uma civiltà che, como la presente, proclami le libertà individuali quali libertà fondamentali della persona umana e in un ordenamento quindi che, come il nostro, riconosca i diritti di libertà quali diritto inviolabili dell’uomo”. 
           Este é o sentido geral da argumentação do Sr. Procurador-Geral de Justiça: o óbice se encontra na lei penal. Pode-se cogitar, neste sentido, tanto do art.  64 da Lei das Contravenções Penais, quanto do art. 32 da Lei 9.605/98 (vide, fl. 4). A este propósito, manifesta-se MANOEL JORGE E SILVA NETO (“A proteção constitucional à liberdade religiosa”, n.° 6.5, p. 121, Revista de Informação Legislativa, V. 160, Brasília: Senado Federal – Subsecretaria de Edições Técnicas, 2003) 
          “É absolutamente decisivo para entender-se a liberdade de culto – e, no particular, a liberdade de sacrifício de animais no ritual do Candomblé e da Umbanda – situar o art. 5.°, VI, no contexto da teoria da aplicabilidade das normas constitucionais, como se realizou, no momento, sob pena de equivocada compreensão da sua amplitude”.
          “Assim, torna-se impositivo percorrer o sistema normativo, de lá retornando com a conclusão, a respeito da existência ou não de regra limitativa do sacrifício de animais.”
          “E a resposta é positiva: há, sim. É precisamente o art. 64 da Lei das Contravenções Penais, cuja conduta caracterizada como fato típico é ‘tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo”.
          “Inegavelmente, uma vez ocorrido o sacrifício de animais, não há como desvencilhar do fato típico descrito no art. 64 da LCP”.
          “Poder-se-ia argumentar que o termo ‘crueldade’ é caracterizado por fortíssimo componente ambíguo, porque aquilo que seria considerado cruel por um indivíduo não o seria por outro, e, assim, os adeptos dos segmentos religiosos afro-brasileiros e qualquer outro que se utilizasse da prática litúrgica certamente não reconheceria a ‘crueldade’ em tais sacrifícios. Mas não seriam os integrantes da facção religiosa aqueles que estariam legitimados a concluir a respeito, mas sim a sociedade de uma forma geral, o que se consuma com o exame da situação pelo juiz”. 
           Ora, no art. 64 do Dec.-lei 3.688, de 03.10.1941, nem no art. 32 já referido, não se acomoda, salvo engano, o sacrifício ritual de animais. Basta ver que a doutrina especializada (vide, ROMEU DE ALMEIDA SALLES JÚNIOR, Lei das contravenções penais interpretada, p. 306, São Paulo: Oliveira Mendes, 1998; DAMÁSIO E. DE JESUS, Lei das contravenções penais anotada, p. 212, 8.ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2001), repetindo os mesmos exemplos,  alude a preparar alimentos envenenados (com soda cáustica ou estricnina), jogar líquido combustível e atear fogo, ou promover disputas (brigas de galos ou de pássaros).
           Poder-se-ia dizer que tal se deve à distância prudente mantida em relação a tais práticas religiosas, envoltas com ar de mistério, e protegidas com insinuações quanto ao eventual descontrole de forças poderosas sobre o incauto profano. Além disto, há um dado principal: nenhuma lei proíbe matar animais próprios ou sem dono.
           É fato notório que o homem e a mulher matam, diariamente, número incalculável de outros animais para comê-los. O caráter exclusivamente “doméstico” do animal, ou seu uso para fins alimentares, depende da cultura do povo. Recordo a figura do cachorro, tanto animal de estimação, quanto fina iguaria em determinados Países.
           E não há, no direito brasileiro, norma que só autorize matar animal próprio para fins de alimentação.
           Então, não vejo como presumir que a morte de um animal, a exemplo de um galo, num culto religioso seja uma “crueldade” diferente daquela praticada (e louvada pelas autoridades econômicas com grandiosa geração de moedas fortes para o bem do Brasil) pelos matadouros de aves.
           Existindo algum excesso eventual, talvez se configure, nas peculiaridades do caso concreto, a já mencionada contravenção; porém, em tese nenhuma norma de ordem pública, ou outro direito fundamental, restringe a prática explicitada no texto controvertido.
           Por outro lado, há precedentes respeitáveis no sentido de consagrar a liberdade de culto.  É digna de registro a valiosa contribuição do Prof. Dr. HÉDIO SILVA JR., trazendo à baila o caso julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América, em outubro de 1992 (inteiro teor à fls. 296/428), no caso Church of Lukumi Balalu Aye versus City of Hialeah. Apesar de as leis locais proibirem, expressamente, o sacrifício de animais, prática adotada pela referida Igreja, pertencente à confissão da “Santería” (proveniente de negros cubanos), a Suprema Corte entendeu que as autoridades locais deviam respeitar a tolerância religiosa.
           No caso, sem traçar paralelos com outras religiões e práticas, ou adotar a motivação porventura mais ajustada àquele sistema jurídico, estimo que se aplique perfeitamente tal precedente à espécie como uma diretriz geral. Portanto, conosco está a Suprema Corte dos Estados Unidos da América do Norte.
           2. Pelo exposto, julgo improcedente a ação direta. 
DES. VASCO DELLA GIUSTINA - Quanto ao processo em si, eminentes Colegas, alinho-me à posição do eminente Relator.
            Confesso que, inicialmente, titubeei em função do fato, em função dos comemorativos desta lei. Porém, aprofundando-me na análise de textos legais, cheguei à conclusão de que Sua Excelência tem inteira razão.
            Com relação, inicialmente, ao aspecto da formalidade, ou seja, haveria incompetência deste Tribunal para conhecer da matéria e julgá-la, eu a rejeito pelo fundamento de que a nossa Constituição Estadual consagra no capítulo que versa sobre o meio ambiente, art. 250, um item que assim reza: ”O meio ambiente é bem de uso comum do povo...”. Depois, no inc. VII, esclarece que uma das funções é: “proteger a flora, a fauna e a paisagem natural, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e paisagística, provoquem extinção de espécie ou submetam os animais à crueldade”.
            Assim é a nossa Constituição Estadual, e disso, aliás, é testemunha esta lei que foi mencionada há  pouco pelo eminente Relator, votada pela Assembléia, o chamado Código Estadual de Proteção aos Animais, que, com base na Constituição Estadual, foi editado. Logo, este Tribunal, por força da Carta Federal e da própria Carta Estadual, tem toda a competência para analisar e decidir acerca da invalidade ou validade desta lei votada pelo Parlamento Estadual.
            Assim, afasto esta prefacial da inconstitucionalidade ou da impossibilidade formal de apreciação por este Tribunal.
            Quanto ao mérito ou quanto ao aspecto material, também me alinho ao pensamento do eminente Relator.
            Parece-me que esta matéria, antes de tudo, exige um bom-senso na sua análise e uma interpretação sistemática de todo o nosso ordenamento jurídico.
            Desde os idos de 1940, e, mais recentemente, o nosso legislador, em se tratando de animais, visou a evitar que se praticasse crueldade contra os mesmos. Esse foi o espírito que perpassou toda a nossa legislação. Os animais, os irracionais, evidentemente, devem merecer um tratamento diferenciado dos racionais.
            Indo às fontes, ao tratadista Paulo Lúcio Nogueira, na sua obra “Contravenções Penais Controvertidas”, ele analisa essa contravenção de crueldade contra animais. Permito-me ler alguns aspectos, apenas para reforçar o pronunciamento do eminente Relator e trazer alguns subsídios a este Colegiado.
            Diz o eminente tratadista: “A lei procura proteger os animais domésticos e os selvagens domesticáveis, excluindo apenas os daninhos. Entretanto, os próprios animais domésticos são mortos para satisfazer as necessidades humanas, não havendo em tais circunstâncias nenhuma infração, mas, mesmo assim, o animal deve ser morto de maneira que os meios empregados não lhe causem mais sofrimento do que os naturais. Se, para abater um animal, o homem, ao invés de o fazer com rapidez e naturalidade, procura submetê-lo a torturas desnecessárias, pode, perfeitamente, ser punido por agir com crueldade”.
            Posteriormente, analisa outros aspectos da questão, dizendo mais adiante: “Entende-se que a morte ministrada a animal, por si só, sendo rápida, não constitui crueldade. Contudo, existem mortes que revelam crueldade, principalmente pelos meios empregados. Assim, se alguém ministra substância venenosa a cães, causando-lhes sofrimento e morte, pratica contravenção”. E aí segue, então, analisando a rinha de galo, etc.
            Refere também “que a morte desnecessária e intencional de algum animal configuraria crime de dano, que se tipifica em destruir ou inutilizar coisa alheia. Um animal é coisa viva que merece a proteção”. Salienta, ainda, que o que não se justifica é a crueldade que se pratica contra os animais, como em brigas de galo, rodeios, etc.
            Assim que, eminentes Colegas, me parece que não há vedação de ordem legal, não há vedação de ordem constitucional, e muito menos uma vedação interpretativa no admitir que os animais possam vir a ser sacrificados, desde que, realmente, não se pratique crueldade contra eles.
            Assim que, nesta linha, eu estaria por entender que, no caso concreto, essa prática autorizada dos cultos e liturgias realmente está num contexto geral, logicamente, aliás, o eminente Relator fez questão de salientar, desde que não haja excessos, desde que não haja crueldade. Fora isso, não me parece que haja uma inconstitucionalidade nesse dispositivo que autoriza, que permite este sacrifício.
            Tanto assim é que, se me permite o eminente Relator, na ementa do seu douto projeto de acórdão, assim diz: “Não é inconstitucional a lei que introduziu o parágrafo único, explicitando que não infringe o Código Estadual de Proteção aos Animais o sacrifício ritual em cultos e liturgias das religiões de matriz africana”, até sugeriria, já que a ementa leva adiante o acórdão, “desde que sem excessos ou crueldade”. Vossa Excelência concorda com esta aplicação?
DES. ARAKEN DE ASSIS (RELATOR) – Concordo. 
DES. VASCO DELLA GIUSTINA – Parece-me que, então, de uma vez por todas, ficaria claro que é permitido, mas não é uma permissão no sentido absoluto de que o animal possa ser sacrificado das formas, muitas vezes, mais cruéis/ e mais vis. Pelo contrário, respeitada essa linha, não me parece que haja no nosso ordenamento jurídico uma proibição quanto à morte de animais nesse sentido.
            Assim que, eminentes Colegas, com esses subsídios e louvando o posicionamento do ilustre Relator, que soube muito bem decidir os vários aspectos da questão, eu estaria por acompanhá-lo integralmente.
            É o meu voto, Senhor Presidente.
DESA. MARIA BERENICE DIAS –  Senhor Presidente, quero, mais uma vez, louvar aqui a postura do meu eminente Colega, Des. Araken de Assis, que, com a sua lucidez e cultura, sempre nos encanta..
            No entanto, tenho que, em um ponto, assiste razão ao ilustre Procurador de Justiça. Não vejo como afastar a limitação  e permitir o sacrifício de animais, exclusivamente nas religiões e liturgias de matriz africana. A Constituição Federal, ao garantir e proteger as manifestações culturais e populares, não faz este tipo de diferenciação.
            Como bem referiu o ilustre Procurador, há  religiões outras que, ainda que sem ser de origem africana, têm nas suas práticas religiosas o sacrifício de animais. Diz o § 1º  do art. 215 da Constituição Federal que: “O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”.
            Então, é ampliativa, a proteção constitucional, não só às culturas afro-brasileiras, mas a todas que compõem este caleidoscópio da nossa origem. Em assim sendo, tenho que é a restrição posta ao final do artigo que afronta o dispositivo constitucional.
            No entanto, isto não leva ao acolhimento da ação como preconizado no ilustrado parecer. Impositivo é acolher em parte a ação para declarar inconstitucional exclusivamente a sua expressão final, a qual faz referência à matriz africana. É esta expressão que afronta o princípio da isonomia.
            Então, o parágrafo deveria permanecer, nos seguintes termos: “Não se enquadra nesta vedação o livre exercício de cultos e liturgia das religiões”. Com isso, estaria assegurado, a toda e qualquer religião que manter esse tipo de prática.
            Voto pelo acolhimento parcial da ação, exclusivamente para afastar esta limitação, a matriz africana, mas mantendo, no ordenamento jurídico estadual, o parágrafo único do referido artigo.
            É como voto, Senhor Presidente.
DES. PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA - Senhor Presidente, pediria um aparte. Parece-me que o objeto da discussão não é o abate em si do animal no ritual ou na cerimônia religiosa.
              O problema todo se centraliza na crueldade aplicada contra o animal. Todos estamos de acordo aqui, no Tribunal, parece-me, e inclusive o próprio Ministério Público, de que este abate de animal, em cerimônia religiosa, é possível. Isso é pacífico. O art. 2º, I, veda a tortura ao animal, o sofrimento excessivo, e o parágrafo único libera geral, quer dizer, não se enquadra, nesta vedação, o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz africana. Aí é que reside o problema.
              O Ministério Público pretende que seja expungido do ordenamento jurídico todo esse parágrafo único, porque, expungindo-o, volta a vigorar, na integralidade, o art. 2º, que proíbe a crueldade contra o animal.
DES. DANÚBIO EDON FRANCO - Senhor Presidente, parece que as questões e os fundamentos já foram muito bem explanados pelo eminente Relator, o eminente Revisor e agora a Desa. Berenice, dando um novo rumo na colocação da ação, mas, a rigor – e agora o Des. Vasco também me alertava -, isso era matéria que não precisava ser regulada, pois, efetivamente, os maus-tratos a animais em cultos ou não sempre foram tipificados como contravenção. Com relação à previsão de outros cultos que também tenham essa mesma prática – penso que o Des. Araken colocou muito bem -, nós não somos legislador positivo, nós não podemos estender, mesmo porque não se têm aqui, nos autos, que religiões são essas para que se possa alcançá-las ou simplesmente abrir o campo para essa possibilidade., Por isso, estou acompanhado os eminentes Relator e Revisor.
DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS - De acordo com o Relator. 
DES. JOÃO CARLOS BRANCO CARDOSO - De acordo com o Relator. 
DES. MARCO ANTÔNIO BARBOSA LEAL - De acordo com o Relator. 
DES. ROQUE MIGUEL FANK - De acordo com o Relator. 
DES. LEO LIMA – De acordo com o Relator. 
DES. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA - De acordo com o Relator.
DES. GASPAR MARQUES BATISTA - De acordo com o Relator. 
DES. ARNO WERLANG - De acordo com o Relator.
DES. WELLINGTON PACHECO BARROS – Eminente Presidente, fico imaginando esta discussão na Bahia.
            De acordo com o Relator. 
DES. ALFREDO FOERSTER – Inicialmente, no tocante a preliminar de incompetência deste Tribunal para conhecer e julgar a matéria posta, acompanho o colega Relator, e também afasto essa prefacial.
           No mérito, com a devida vênia, divirjo do culto Relator, pois entendo que a vida deve prevalecer, sempre.  O Direito Natural nos assegura isso, seja em relação aos seres humanos, seja quanto aos animais.  Eu não detectaria a questão da crueldade (ou não).  Penso que o fato em si, de sacrificar um ser humano ou seja um animal, é ‘humanamente’ indesejável, em que pese o respeito que merecem os cultos defensores do abate como o de sacrificar animais.
           A propósito, para se ter idéia do assunto em sua real crueza, trago à colação o seguinte texto, in verbis:
           “... O Secretário da Cultura [isso nos idos do ano de 1955] compareceu uma ou duas vezes aos encontros de músicos e participou da apresentação de encerramento. Quase como uma contrapartida, ele convidou o visitante alemão para mostrar-lhe um outro lado do Brasil. Levou-o a conhecer danças regionalistas gaúchas e, alguns dias depois, a um cerimonial de macumba (quimbanda), um batuque [candomblé e a chamada umbanda cruzada (?)].
           “33. BATUQUE
           “Já ao pé do morro, fora do centro da cidade, ouvia-se o som surdo dos tambores. Há pouco Max havia me recomendado: "Não fala nada. Nós chamaremos a atenção porque somos brancos. Deixa Felipe falar; ele conhece essa gente".
           “O negro Felipe, velho conhecido nosso, subia à nossa frente pelo atalho já profundamente marcado entre a capoeira.
           “Logo ouvimos galinhas cacarejando, gansos grasnando, o balir de ovelhas, os berros de cabras e gritos assustados de pássaros. E, como toque de fundo, o constante soar dos tambores.
           “Um rancho simples aparece à nossa frente. Diante dele, uma multidão negra encobre a entrada do pátio. As vozes dos animais ficam agudas e penetrantes. Felipe, virando-se para nós, fala baixinho:
           "Esses são os animais para o sacrifício".
           “Max olha para mim, como a dizer: ‘Agora é manter a calma". A um sinal de Felipe, a massa de povo abre-se em silencio e por uma apertada passagem atravessamos o pátio até a porta do rancho. Um forte cheiro de suor e de animais nos envolve. O pior era ver no pátio as pobres criaturas, amarradas, engaioladas, que se debatiam assustadas, como se pressentissem seu destino, gritando seus medos para a noite.
           “Quando entramos no grande e único cômodo do rancho, o soar rítmico dos tambores é tão forte, que tenho que colocar o algodão nos ouvidos - que havia levado junto comigo.
           “Temos que tirar os sapatos, podendo ficar de meias.
            “A sala está quase cheia, somente no centro há um quadrado livre. Do lado oposto à entrada, na única cadeira existente está sentado o Pai do Terreiro, um negro alto e forte em suntuosa vestimenta branca. Com o olhar dirigido para longe, nada via ao seu redor. Junto dele alguns homens e mulheres, que em sua rigidez já dão sinal de estar em transe. Vestem longos trajes brancos, amarrados na cintura por uma simples corda. A cada lado do quadrado central, em direção à porta aberta, postam-se cinco ou seis tamboreiros. Cada um tem sua batida própria, mas em conjunto formam um só ritmo. Às vezes - de repente - silenciam, para logo soar um forte rufar de batidas de um só tambor - e já recomeçam todos com suas batidas rítmicas.
           “Está ficando difícil não se deixar enlevar por esses ritmos mágicos. Estamos, como nos haviam indicado, na segunda fila, atrás dos tamboreiros. Pouco depois de nossa chegada, os primeiros com as vestimentas brancas caem em transe. Começam a dançar na parte livre da quadra, suas evoluções ficam mais rápidas, seus pés descalços batem no chão, torcem-se em requebros, reviram os olhos e sua respiração fica ofegante. Soltam sons inarticulados e gritos, que são interpretados como profecias e respostas do além. Cada um dos que está em transe está tomado por um Orixá, para o qual antes já haviam sido feitas perguntas.
           “Passado o transe, os corpos caídos, inanimados, são carregados para fora.
           “Agora começa a matança dos animais. Iniciam com os pássaros e as outras aves. Cada uma é sacrificada em oferenda e gratidão por um pedido atendido. Hábeis ajudantes, com prática, trazem as aves para o centro da quadra e, perante o Senhor do Terreiro, decapitam-nas com facões afiados. Afora o soar rítmico dos tambores, a matança é feita em silêncio.
           “Depois dos pequenos, chega a vez dos animais maiores. Assim que são arrastados para dentro, acalmam-se como que atordoados pelo som ensurdecedor dos tambores. São decapitados com muita presteza - o facão deve estar afiadíssimo - e, como parece, sem sofrimento para o animal-sic-. O cheiro animalesco do sangue encobre todos os outros odores.
           “Já se passara quase uma hora desde o começo dos sacrifícios. Os tambores soam cada vez mais fortes. Sentimos que o ponto culminante da noite está perto. E assim acontece: um enorme boi e empurrado para dentro! Também ele parece calmo, como em transe. Está parado agora na frente do Senhor do Terreiro,que se levantara. E, antes que o boi desse por si, teve sua cabeça decepada por um longo facão em forma de espada. Nenhuma gota de sangue respingara na veste branca do Senhor e Pai do Terreiro. Mas o sangue do boi jorra em tal quantidade, que nós, na fileira de trás, já pisamos dentro dele. O sangue quente embebe nossas meias até os tornozelos.
           “Nesse instante, o Pai do Terreiro, que caíra em transe, deixa que coloquem a cabeça sangrenta do boi sobre sua própria. Ele a segura com as duas mãos e começa a dança do sacrifício como Orixá Supremo.
           “O corpo do boi já havia sido retirado.
           “Rodeado pelos tamboreiros, que aceleram suas batidas, e excitado pelo frenético bater de palmas dos presentes, o Orixá Supremo dança no centro, enquanto o sangue do boi escorre sobre ele, tingindo sua bela vestimenta...
           “Não sei como suportei essa experiência até o fim. Como saí dela, calcei os sapatos e cheguei em casa não lembro mesmo. Nossas meias provaram na manhã seguinte que fora verdadeiro o que assistimos” (assunto extraído do livro - De longe também se ama – Recordações de uma vida no sul do Brasil e Alemanha – Elisabeth Maschler – Editora Sinodal – 2004,  págs. 133/35).
           No tocante à formalidade, entendo ser essa lei inconstitucional, já que trata de matéria penal, da competência legislativa privativa da União, nos termos do art. 22, I, da Constituição Federal, como bem ressaltando pelo Procurador-Geral da Justiça, Dr. Roberto Bandeira Pereira.
           Tenho que essa matéria já está normatizada na Lei Federal dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), que dispõe em seu artigo 32:
           “Praticar ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
           “Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
           “§ 1º - Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel com animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
           “§   2º -   A pena é aumentada de um sexto a um  terço, se ocorre morte do animal”.
           Assim, essa regulamentação já teria ocorrido pela União, dentro da competência firmada pelo artigo 23, incisos VI e VII, da Constituição Federal, não cabendo ao Estado-membro estabelecer relativizações, mesmo que com a intenção de assegurar a liberdade de culto religioso, já que essa liberdade não se encontra ameaçada pelas regras vigentes, com a devida vênia de enfoque em contrário.
           Também entendo clara a inconstitucionalidade material, diante da incompatibilidade do preceito legal contestado com a Constituição Federal.
           De acordo com o art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal:
           “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
           Portanto, é garantida pela Lei Maior a inviolabilidade da liberdade de crença e de consciência e assegurado o livre exercício dos cultos religiosos.
           Nesse contexto, verifico que a lei estadual, ao permitir o sacrifício de animais somente para as religiões de matriz africana, cria um privilégio apenas para uma religião -em detrimento da demais e também adeptas desses rituais-, atentando contra o princípio da igualdade – art. 5º da Constituição Federal.
           Por outro lado, ao excluir da vedação do art. 2º o  livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz africana, dispõe o legislador estadual não estar resguardada a determinação do Código Estadual de Proteção aos Animais – Lei n. 11.915/03 – legislação esta que tem por origem o art. 225, inciso VII, da Constituição Federal, que impõe ao Poder Público a proteção à fauna e à flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade. A morte provocada, é algo cruel em si, seja ela perpetrada com requintes ou não. Aí reside -na essência- a divergência com o douto posicionamento do colega relator.  A  HUMANIDADE tem de evoluir para a preservação da VIDA.
           Assim, voto pela procedência integral do pedido, declarando a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 2º da Lei Estadual n. 11.915/03, acrescentado pela Lei Estadual n. 12.131/04, por ofensa aos arts. 5º, “caput”, 19, IV, e 22, I, da Constituição Federal, combinados com o art. 1º da Constituição Estadual nos termos do pedido ministerial. 
DES. SYLVIO BAPTISTA NETO - De acordo com o Relator. 
DES. JORGE LUÍS DALL'AGNOL -  De acordo com o Relator. 
DES. JOSÉ  ANTÔNIO HIRT PREISS – Com relação à questão preliminar, de acordo com o Relator e com o Revisor. Com a matéria em si, gostaria de fazer algumas ponderações e peço vênia aos eminentes Colegas, caso me alongue.
           Quando freqüentador das ditas e chamadas casas de religião, das quais de uma eu fui dirigente, nunca vi alguém sacrificar um animal com crueldade. A morte é limpa e rápida.
           Não existe esta de ecologista de final de semana dizer que em casa de religião se pratica crueldade contra animais. Alguém aqui mencionou rinhas de galo, brigas de cachorro, brigas de pássaros. Alguém admite isto e acha muito bonito.
           Nas Filipinas, cachorro é iguaria fina. Um vizinho meu, pastor de igreja protestante, visitou as Filipinas e nos narrou a homenagem que lhe fizeram: um cachorro foi deixado à  água durante 3 dias, depois, foi superalimentado. Logo após, foi morto e assado. A iguaria fina era o estômago cheio daquela comida que ele havia ingerido antes de morrer. Povos, costumes, etc.
           O eminente Procurador de Justiça, aqui presente, fez uma alusão a outras religiões, coisa que também foi mencionada pelo eminente Relator.
           Se me permitem, o Alcorão diz na Surata 22: “Para cada povo temos instituído os ritos de sacrifício para que invoquem o nome de Deus, sobre o que ele agraciou de gado. Vosso Deus é único, consagrai-vos, pois, a Ele. E tu, ó mensageiro, anuncia a bem-aventurança aos que se humilham, cujos corações estremecem quando o nome de Deus é mencionado. Os perseverantes que suportam os que lhes sucedem são observantes da oração e fazem caridade daquilo com que os agraciamos, e vos temos designado os sacrifícios dos camelos, entre os símbolos de Deus, neles tendes benefícios. Invocai, pois, o nome de Deus sobre eles no momento do sacrifício e quando ainda estiverem em pé, e, quando tiverem tombado, comei, pois, deles e dai de comer aos necessitados, ao pedinte. Assim, vos sujeitamos para que nos agradeçais. Nem suas carnes, nem seu sangue chegam até Deus. Outrossim, alcança-o a vossa piedade. Assim, vo-lo sujeitou para que o glorifiqueis, para vermos encaminhado. Anuncia, pois, a bem-aventurança aos benfeitores“.
           Se vale para muçulmano, vale para africano; se vale para africano e muçulmano, vale para judeu; se vale para judeu, africano e muçulmano, vale para católico.
           A nossa Constituição é clara, há  liberdade de culto no País. Felizmente, em 1889, quando proclamaram a República, afastaram a religião do Estado. O Estado é laico, o Estado não se mete em religião. Então, cada um que professe a sua fé, cada um que se beneficie e ore a Deus ao seu modo.
           Destarte, voto de acordo com o Relator.
DES. OSVALDO STEFANELLO (PRESIDENTE) – Eminentes Colegas, eu tenho que esta questão é de difícil e delicado equacionamento.
            Há valores em confronto, liberdade religiosa e de culto prevista na Constituição Federal, art. 19, inc. I, e no inc. VI do art. 5º, ou seja, o direito tratado como uma das garantias fundamentais asseguradas ao indivíduo, e o inc. VI é expresso, mais do que o art. 19:
            “VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”.
            Porém, foi muito bem dito no voto do eminente Relator que não há direitos absolutos, nem de culto religioso. O único direito absoluto é o direito à vida. Pergunto se é possível confundir liberdade de culto, de liturgia, de prática religiosa com o sacrifício de animais? São seres vivos como nós. Não há muita diferença entre um homem e um animal no que diz com o ser um ser vivo, a não ser no chamado “espírito” ou “alma”, da qual nós seríamos portadores.
            O art. 13 da Constituição Estadual, que trata da competência dos Municípios, nem é do Estado, estabelece que: ”É competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado: V - promover a proteção ambiental, preservando os mananciais e coibindo práticas que ponham em risco a função ecológica da fauna e da flora, provoquem extinção da espécie ou submetam os animais à crueldade”.
            O sacrifício de um animal não é  ato de crueldade? Faço esse questionamento, porque tenho sérias dúvidas a respeito dessas questões que estão sendo discutidas e deveria pelo menos justificar por que tenho dúvidas.
            Daí  que, com  vênia e respeito aos eminentes Colegas que já se posicionaram, vou pedir vista para, com tranqüilidade, reler a questão, reestudá-la e numa das próximas sessões trazer o meu voto.
            É assim que voto. 
DES. CACILDO DE ANDRADE XAVIER – Com o brilhante e exaustivo voto do eminente Relator e com os acréscimos, não menos brilhantes, do eminente Des. Vasco.
DES. ALFREDO GUILHERME ENGLERT – Estamos frente à inconstitucionalidade formal tendo em vista que compete à União, privativamente, legislar sobre matéria de Direito Penal, conforme consta no brilhante parecer do Ministério Público.
            Quanto à inconstitucionalidade material o próprio Ministério Público refere que: “No caso dos autos, porém, esse risco inexiste, se fosse invalidada essa norma discutida, porquanto, mesmo suprimindo dispositivo impugnado, não se estaria prejudicando os cultos de matriz africana, os quais, com amparo na liberdade religiosa constitucionalmente prevista, poderiam continuar com suas práticas sacrificiais, apenas limitado pela ponderação com outros valores, direitos e princípios constitucionais, como sempre se deu”.
            Ouso discordar do eminente Relator no sentido que não competia ao Estado do Rio Grande do Sul, membro da Federação, ingressar nesse caminho, visto que é matéria reservada à União, e também destacar que a retirada do ordenamento jurídico do parágrafo único não vai invadir a seara dos cultos de qualquer natureza. Destaco - já que várias religiões faziam sacrifícios, hoje algumas já não fazem, havia o sacrifício do carneiro, mas isso tudo já mudou - que as religiões também se estão modernizando, reconhecendo que cada um tem direito à sua crença.
            Destaco, primeiro, a inconstitucionalidade formal, a qual entendo tranqüila, não pode o Estado se imiscuir nessa matéria; segundo lugar, com relação à inconstitucionalidade material, quero retirar do ordenamento jurídico essa norma que, parece, daria um salvo-conduto aos praticantes do culto, no sentido de que poderiam sacrificar com crueldade.
            Os cultos de origem de matriz africana, estão liberados, possuem o salvo-conduto. Acho que isso não é  possível, mesmo que não sejamos legisladores positivos, estamos aqui para decidir a controvérsia. Reconhecemos a independência e harmonia dos Poderes, mas como somos chamados a decidir a questão, acompanho o argumento do voto do Des. Alfredo Foerster.
            Julgo integralmente procedente a ação.
DES. ANTONIO CARLOS NETTO MANGABEIRA – Aguardo o pedido de vista do eminente Desembargador-Presidente.
DES. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRAO sacrifício de animais faz parte da ritualística dos cultos afro-brasileiros, com raízes sociológicas e religiosas. Temos casos de sacrifícios de animais por parte dos mulçumanos quando termina o período do Ramadã, ocasião em que um cordeiro é degolado. Na religião judaica existe o shochet, para o abate ritual de animais e aves, mediante a degola. Nos frigoríficos quando se faz a exportação de carne para Israel, também a matança observa a shechitá, para que a carne seja considerada Kosher.
           Exemplifica Alan Unterman, em Dicionário Judaico de lendas e tradições, com relação ao vocábulo shechitá (hebraico, significa “matança”, “abate”):
      “Método de abate ritual de animais e aves que consiste em passar rapidamente uma faca na parte da frente da garganta. A shechitá é prescrita pelas DIETÉTICAS para que a carne seja considerada KOSHER. É realizada por um magarefe treinado, ou shochet, que deve ser um judeu adulto do sexo masculino, credenciado por uma autoridade rabínica com um certificado de fidedignidade”. (Jorge Zahar Editor, pág. 241/242).
               Acrescento que na América do Sul, os descendentes dos povos indígenas, em determinado período do ano, sacrificam uma lhama, para regar a terra de sangue em homenagem a divindade, também degolando o animal.
               Aliás, a degola de animais é coisa muito antiga, que vem dos tempos bíblicos.
               Já assisti cerimônias religiosas de cultos afro-brasileiros, com matança de animais de dois e quatro pés, aves e bodes, que são degolados, mas nunca presenciei qualquer crueldade, o que já não acontece em matadouros e frigoríficos, onde os bichos são sacrificados muitas vezes de forma desumana, sem falar nos abatedouros clandestinos.
               Proibir o sacrifício de animais nos cultos afro-brasileiros, é atentar contra a liberdade religiosa, na conformidade do inciso VI do art. 5º da Constituição Federal, uma vez que a cerimônia de iniciação, nessas religiões de origem africana, envolve sacrifício de animais, quando o iniciado faz o bori, na linguagem popular “bater cabeça”, uma vez que ori, em iorobá, significa cabeça.
               Esclarece Olga Gudolle Cacciatore, em Dicionário de Cultos Afro-brasileiros, com relação ao significado de bori:
      Bori (ou obori) – Cerimônia ritual do Candomblé e terceiros afins, também chamada “dar de comer à cabeça“. Finalidades: Fortificar o espírito do crente para suportar repetidas possessões, ou por estar por elas enfraquecido (profilaxia e terapêutica), penitencia pela quebra de algum preceito, dar resistência contra influências negativas. É realizada na iniciação e fora dela e dedicada ao orixá pessoal, “dono da cabeça”. A pessoa fica ajoelhada sobre uma esteira, no roncó, vestida de branco. Após consulta ao orixá, sua cabeça é esfregada com uma pasta de obi, orobô etc., depois banhada com ervas sagradas e sangue de animal de duas patas, sacrificado na hora, ritualmente. (Editora Forense Universitária, RJ, 3ª Edição, 1988, pág.68).
               Para aqueles que não sabem, a língua dos orixás é o iorobá, ou melhor dizendo o nagô, língua falada na Nigéria, que se impôs nos cultos afro-brasileiros trazida pela diáspora dos povos africanos.
               Recentemente, entrei em contato por telefone com um nigeriano, Félix Ayoh’OMIDIRE, que publicou uma obra para o ensino de iorobá, denominada ABC da Língua, Cultura e Civilização Iorubanas, editada pela EDUFBA (Editora da Universidade Federal da Bahia), que mostra o interesse daquela universidade pela divulgação dessa cultura que importamos da África e que aqui sentou raízes.
               Um francês, Pierre Verger, depois de iniciado, Pierre Fatumbi Verger, porque “Fatumbi” quer dizer renascido, e que viveu parte de sua vida no Brasil e morreu na Bahia, além de seus trabalhos fotográficos que o tornaram conhecido internacionalmente, também escreveu e publicou obras a respeito dos orixás, pois as suas viagens à África contribuíram para aprimorar sua cultura a respeito da religião que atravessou o Atlântico e se implantou não só no Brasil, como em todo o continente americano e especialmente nas Antilhas, onde a diáspora africana se fez com mais intensidade.
               Aliás, Pierre Verger, também publicou uma obra sobre o tráfico, intitulada “O fluxo e o refluxo das águas do Golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos”, um relato histórico dos mais valiosos sobre a escravidão, uma infâmia que não pode ser esquecida, mas que deitou no Brasil as suas raízes, através da religião e de sua contribuição cultural, especialmente na música, onde a percussão se incorporou definitivamente.
               É de observar-se que no Haiti se pratica o vodu, que também inclui o sacrifício de animais, por ter a mesma origem religiosa vinda da África.
               O mesmo Pierre Verger, publicou uma obra em edição bilíngüe   (iorobá/português) sobre a medicina tradicional usada na África, especialmente na Nigéria, pois era profundo conhecedor das coisas africanas, além de escrever sobre os orixás, em edição da EDUSP – Editora da Universidade de São Paulo, também a Editora Corrupio editou obras de Verger.
               Não vejo como proibir a prática de uma religião em sua plenitude de culto, apenas porque adota em seus rituais a matança de animais, que nem sempre se faz presente, apenas em determinadas ocasiões.
                Esclareço que o ano de 2005, é regido por Oxum e Oxalá. 
      “Oxum, orixá do rio Oxum em Oxogbo, província de Ibadan, na Nigéria África Ocidental. Deusa das águas doces – rios, lagos, cachoeiras – bem como da riqueza e da beleza. Deusa-menina, faceira, a mais jovem e preferida esposa de Xangô, por tanto uma das Rainhas de Oyó, segundo os mitos.  Há vários tipos ou “qualidades” de OXUM: APARÁ (guerreira), O. PANDÁ (esposa de Ibualama e mãe de Logunedé), IABÁ OMI (ligada as apetebi), O. ABALÔ (com leque) etc. É sincretizada com diversas N. Senhoras: das Candeias (ou Candelária) (BA), Conceição (BA, RIO, Recife, Porto Alegre), Virgem Maria (BA), N.S. do Carmo (Recife) etc. Como N.S. das Candeias, sua festa é a 2 de fevereiro (Presente nas águas), mas, na BA, também Yemanjá é festejada nesse dia, sendo em troca, Oxum cultuada também na data de Yemanjá, 8 de dezembro (N. S. da Conceição). Segundo os mitos, Oxum é filha de Yemanjá. Atualmente em cultos não-tradicionais, Oxum é às vezes confundida com Oxumarê, sendo o nome a única semelhança com o deus do arco-íris. Símbolos – espada (semelhando adaga) e abebé, em latão. A miniatura deste fica junto ao otá (pedra de rio ou cachoeira – U.), dentro de terrina de louça branca, no mel. Dia – sábado. Comidas – omolocum, ipeté, adum, xim-xim de galinha etc. Sacrifício – cabra, galinha, pata, conquém. No ossé anual – ainda milho com coco, ovos cozidos etc. A pomba é animal sagrado para Oxum, pois, segundo uma lenda, transformada em pomba ela pode fugir do cativeiro. No peji, além das quartinhas, pratos, vasilhas, com água e comida, para todos os orixás, há para ela flores, perfumes, bonecas etc. Indumentárias – amarelo-dourado – saia longa, blusa branca rendada (às vezes sem blusa), pano da Costa amarelo (mais claro que saia) amarrado sobre os seios, ojá com laço, para fixá-lo. Passando sobre o pescoço e caindo até a saia, terminado em laços, outro ojá. Na cabeça sobre ojá com pontas caídas nas costas, o adê (coroa) com franjas de miçangas, em latão, ou de pano bordado com vidrilhos e miçangas. Colares – fios de contas amarelo-ouro, translúcidas, colar de balangandãs (pentes, espelhos, peixes, colheres etc.) em latão (metal amarelo) e argolão do mesmo metal, de que são também as 4 pulseiras (2 braceletes, 2 punhos). Nas mãos, espada e abebé de latão.
      Na Umbanda (na mais próxima do Candomblé, usa roupa dourada e colares azuis), veste branco e azul. É chefe da Falange da Sereias, na linha vibratória de Yemanjá. É chamada, carinhosamente, “Mamãe Oxum” e sincretizada com N.S. da Conceição. É muito cultuada nas cachoeiras. Sua graciosa dança imita uma mulher faceira tomando banho no rio, penteando os longos cabelos etc. No Candomblé representa a feminilidade por excelência e é patrona da gravidez protetora das crianças que ainda não falam. (ob. cit. Olga Gudolle Cacciatore, Editora Forense Universitária, RJ, 3ª Edição, 1988, pág. 202/203).
            OXALÁ, nome brasileiro de OBATALÁ, orixá  ioruba da criação da humanidade, filho de OLÓRUM, deus supremo, o qual lhe delegou poderes para governar o mundo. É sincretizado com o Sr. do Bonfim (filho do Deus católico).  Tem duas formas: a da mocidade, guerreiro cheio de vigor e nobreza, nome OXAGUIÃ e da velhice, cheia de bondade, figura nobre e curvada ao peso dos anos, apoiada em seu cajado (paxorô), O OXALUFÃ. Tem, na África, vários nomes, conforme o lugar em que é cultuado: OBATALA (em toda a Nigéria), ORIXÁ OGUINHÃ (em Ejigbo), ORIXAAKÔ (em Oko) etc. ORIXALÁ (o grande Orixá) é um dos seus títulos. É o rei dos orixás e dos homens, o mais querido e respeitado dos deuses afro-brasileiros. Na Umbanda é chefe da linha de Santo (ob. cit. Fls. 200/201).
               Assim sendo, encaminho o voto no sentido de que não se pode afastar dos cultos afro-brasileiros o sacrifício de animais, pois faz parte do culto e não são mortos com requintes de crueldade.
DES. RANOLFO VIEIRA – Com o eminente Relator. 
DES. VLADIMIR GIACOMUZZI - Estou naturalmente acompanhando o eminente Relator no que concerne à preliminar de incompetência do Órgão Especial para examinar a matéria.
            A Lei Estadual nº 11.915 estabelece, no art. 2º, que é vedado, entre outras coisas, obrigar animais a trabalhos exorcitantes e que ultrapassem as suas forças; não dar morte rápida e indolor a todo animal, cujo extermínio seja necessário para consumo; exercer a venda ambulante de animais para menores desacompanhados por responsável legal; enclausurar animais com outros que os molestem ou aterrorizem; sacrificar animais com venenos ou outros métodos não preconizados pela Organização Mundial da Saúde nos programas de profilaxia da raiva; manter animais em local completamente desprovido de asseio que lhes impeça a movimentação; ofender ou agredir fisicamente os animais, sujeitando-os a qualquer tipo de experiência capaz de causar sofrimento ou dano, bem como as que criem condições inaceitáveis de existência.
            No âmbito da competência supletiva do Estado, está-se explicitando situações que são proibidas na Lei das Contravenções Penais. No parágrafo único deste art. 2º, acrescido por esta Lei nº 2.131, de 2004, que se controverte, diz-se que não se enquadra nessa vedação do art. 2º, com seus 7 incisos, o livre exercício do culto e liturgias das religiões de matriz africana. Se se está dizendo que essas vedações indicadas no art. 2º podem ser praticadas quando do livre exercício do culto religioso, tal como entendeu o Ministério Público, entendo que a lei é inconstitucional. É isso que se procurou dizer exatamente neste parágrafo único. Tanto é assim que o eminente Relator, no seu brilhante voto, afasta a procedência da ação, fazendo a seguinte ressalva: “Se, no entanto, no exercício do culto religioso da religião de matriz africana vier a se praticar um fato contravencional, ficarão os responsáveis sujeitos às sanções penais ali previstas”.
            Na realidade a lei, na parte impugnada, procurou criar uma causa de exclusão de ilicitude ou de isenção de pena, sem que para tanto tenha o Estado membro competência. O exercício de culto religioso é garantido pela Constituição mas não à custa da prática de infração penal. Daí por que estou, pedindo vênia ao eminente Relator e aos que o seguiram, acompanhando o voto do eminente Des. Foerster, com as observações do Des. Englert.
               
DES. PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA - Com relação à preliminar, estamos todos de acordo no sentido de rejeitar.
            Quanto ao mérito, no que diz respeito ao aspecto da inconstitucionalidade formal, acompanho o parecer do Ministério Público em 2º Grau e a manifestação oportuna do Colega Englert.
            Considero que a Lei Estadual nº 12.131/04, acrescentando o parágrafo único ao art. 2º da Lei Estadual nº 11.915/03, é formalmente inconstitucional por tratar indevidamente de matéria penal da competência legislativa privativa da União.
            Segundo este parágrafo único, não haveria infringência ao Código Estadual de Proteção dos Animais no sacrifício ritual em cultos e liturgias de religiões de matriz africana, pois a Lei Estadual nº 11.915, operando supletivamente em relação à legislação federal, elencou uma série de condutas consideradas vedadas, que o Colega Vladimir, que me antecedeu, acabou de ler.
            Penso, como o Colega Vladimir, que o legislador estadual foi infeliz ao editar esta Lei nº 12.131/04, que o Ministério Público impugna, acrescentando um parágrafo único a este art. 2º, dizendo simplesmente que não se enquadra nessa vedação o livre exercício dos cultos ou liturgias das religiões de matriz africana. Quer dizer, dando, como salientou o Colega Englert, um salvo-conduto para a prática de todas essas condutas elencadas como proibidas.
            O que ocorre na prática, todos nós sabemos, e o Colega Preiss bem salientou, assim como vários Colegas com experiências pessoais nesse sentido, é que o povo de religiões africanas, via de regra, não pratica essas condutas, não faz parte da cultura esta prática. Mas ocorre que - e todos nós que conhecemos bem o ser humano e somos Juízes no crime sabemos bem disso - existem condutas diferenciadas. Por exemplo, no homicídio, existe o simples e o qualificado pelo emprego de meio cruel ou pela tortura. Essas condutas recebem apenamentos diferentes.
            Todos nós estamos de acordo, não existe nenhuma divergência neste Tribunal, de que o sacrifício de animais em rituais religiosos é possível, é permitido, só não estamos de acordo quanto ao emprego da crueldade neste sacrifício, e a crueldade é vedada justamente pelo art. 2º da Lei Estadual nº 11.915.
            Assim como 95 a 99% dos participantes de religiões africanas jamais incorrerão em práticas cruéis, haverá também aquele que vai praticar a crueldade, que vai matar um bode a porrada, sob o efeito de bebida alcoólica, se dizendo tomado por uma entidade. E isso é infração penal. Não importa se esta conduta for praticada dentro ou fora de um ritual religioso.
            O Ministério Público tem razão quando quer expungir esse parágrafo único, pois ele é absolutamente esdrúxulo. Não teria nada que ter sido editado pela Assembléia Legislativa, primeiro, porque esta não é competente para criar excludentes de criminalidade, assim como não é competente para legislar sobre matéria penal e menos competente ainda para criar causas de exclusão de crime. Esse que é o ponto que está em discussão, aqui, e não liberdade religiosa.
            Não estamos discutindo liberdade religiosa neste julgamento. O que estamos discutindo é a infelicidade da criação desta Lei Estadual nº 12.131, que, por meio da criação deste parágrafo único, quer liberar geral pessoas que, eventualmente praticando sacrifícios de animais, o façam daquela forma proibida.
            O animal também tem que ser lembrado, pois pode ser sacrificado sim. E quem somos nós para dizer que um animal não pode ser abatido? Nós, que somos gaúchos, que comemos carne quase todos os dias.
            Nenhum gaúcho vai dizer isso com relação a animal nenhum, mas nenhum gaúcho quer ver animal nenhum ser abatido com crueldade, que é o que o art. 2º da lei anterior vedou, e que, agora, alguém na Assembléia Legislativa propôs esse parágrafo único para liberar geral a forma como esse animal é abatido, e, nesse caso, o Ministério Público tem razão em se insurgir. Claro, é uma organização séria, estruturada para fiscalizar a aplicação da lei.
            Aqui, no parecer sereno, isento, do Dr. Antônio Carlos, ele defende que todos são iguais perante a lei. Há o princípio superior da isonomia, portanto, a lei deve ser aplicada.
            Então, agora, vêm os Colegas e dizem, o próprio Relator diz, que não vão deixar de aplicar a lei, mas, se prevalecer esse parágrafo único malsinado, aquele que praticar a crueldade desnecessária vai ter alforria para, depois, no processo criminal, alegar: “bom, a mim não pode ser aplicada pena, porque estou sob o manto de ter praticado essa ação em um ritual religioso”.
            Então, o Promotor vai dizer: “você estava praticando esta ação num ritual religioso, mas estava sob o efeito de cachaça, estava embriagado ao último. Você matou este bode com crueldade, com porradas, levou 20 minutos para eliminar esse bode coitado, para depois dizer para algumas pessoas ignorantes que você está tomado por uma entidade religiosa”. E, aí, o Promotor não vai poder fazer nada, porque há um texto de lei, consubstanciado nesse parágrafo único, que está liberando geral.
             Então, entendo que, com toda a razão, o Ministério Público, no sério exercício de fiscalização que lhe compete, entrou com esta ação, com esta ADIn, visando expungir este parágrafo único.
            Concordo, então, plenamente, com o Ministério Público. Vejo inconstitucionalidade formal e material. Dou pela procedência integral da ação, Senhor Presidente, com a máxima vênia dos que entenderam o contrário. 
DES. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA - Senhor Presidente, houve um engano da minha parte, um equívoco. Retiro a preliminar em que eu disse que ficava com o Ministério Público. O Ministério Público não argüiu a incompetência do Tribunal. Vou acompanhar o voto do nobre Relator no sentido de acolher a competência.
                                                                
DES. OSVALDO STEFANELLO (PRESIDENTE) – Quero apenas perguntar aos eminentes Colegas Englert, Giacomuzzi e Paulo Moacir, que falaram em preliminar de incompetência do Estado, se querem que realce essa preliminar. 
DES. ALFREDO GUILHERME ENGLERT – Todos estão de acordo agora. 
RESULTADO PARCIAL: “TENDO VOTADO O DESEMBARGADOR-RELATOR REJEITANDO A PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL PARA CONHECIMENTO E JULGAMENTO DA MATÉRIA, NO QUE FOI ACOMPANHADO PELOS DEMAIS DESEMBARGADORES QUE VOTARAM, SENDO SEU VOTO PELA IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO, ACOMPANHADO PELOS DESEMBARGADORES REVISOR, DANÚBIO EDON FRANCO, LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS, JOÃO CARLOS BRANCO CARDOSO, MARCO ANTÔNIO BARBOSA LEAL, ROUE MIGUEL FANK, LEO LIMA,  MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA, GASPAR MARQUES BATISTA, ARNO WERLANG, WELLINGTON PACHECO BARROS, SYLVIO BAPTISTA NETO, JORGE LUIS DALL'AGNOL, JOSÉ ANTÔNIO HIRT PREISS, CACILDO DE ANDRADE XAVIER, ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA E RANOLFO VIEIRA, VENCIDA EM PARTE A DESEMBARGADORA MARIA BERENICE DIAS, VENCIDOS OS DESEMBARGADORES ALFREDO FOERSTER, ALFREDO GUILHERME ENGLERT, VLADIMIR GIACOMUZZI E PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA, QUE JULGAVAM PROCEDENTE A AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, PEDIU VISTA O PRESIDENTE. AGUARDA A VISTA O DESEMBARGADOR ANTONIO CARLOS NETTO MANGABEIRA”.

CONTINUAÇÃO DO JULGAMENTO
PEDIDO DE VISTA
DES. OSVALDO STEFANELLO (PRESIDENTE) -  Encaminho o voto pela procedência da ação, na esteira do posicionamento adotado pela minoria, da qual fazem parte os Desembargadores Englert, Foester, Vladimir e Paulo Moacir.
           Em primeiro lugar, tenho que a referida lei é formalmente inconstitucional, pois elaborada por quem não detém competência. Nesse sentido, muito bem apanhado pelo ilustre Procurador-Geral de Justiça, visto competir privativamente à União legislar sobre direito penal, nos exatos termos do inciso I do artigo 22 da Constituição Federal.
           Não poderia o Estado legislar de modo a excluir o abate de animais em rituais religiosos da tipificação prevista no artigo 32 da Lei dos Crimes Ambientais. Restou, portanto, invadida a esfera de competência privativa da União.
           A matéria, nos limites da regulamentação promovida pela lei impugnada, já está normatizada na Lei Federal dos crimes ambientais (9.605/1998), consoante se verifica do seu artigo 32:
           “Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
           Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
           § 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
           § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal”.
           Esta regulamentação de ordem federal privativa, conforme artigo 22, inciso I, da Constituição Federal no aspecto penal, também no âmbito da proteção ao meio ambiente embora concorrente, já teria ocorrido pela União, dentro da competência firmada pelo artigo 23, incisos VI e VI, da Constituição da República.
           Assim, de uma forma ou de outra, os valores constitucionalmente eleitos como de resguardo pela ordem jurídica no que se refere aos animais, já se encontram tutelados, descabendo ao Estado-membro estabelecer relativizações, ainda que em nome de assegurar a liberdade de culto religioso, visto que em momento algum esta liberdade se encontra diretamente ameaçada pelas regras mencionadas já vigentes.
           Ao contrário, na ponderação com o princípio constitucional invocado, a liberdade de culto resta assegurada e a liturgia dos cultos submete-se aos limites impostos pela Constituição Federal, de modo que o espaço social seja constituído de acordo com os pontos de interesse público eleitos pela sociedade.
           Não cabe ao Estado-membro ocupar ou modificar espaço social já solidificado a partir da Carta Federal, que estabeleceu as competências federativas de resguardo dos valores inerentes à vida, inclusive de animais, e cuja proteção restou delimitada.
           Em segundo lugar, no que pertine à inconstitucionalidade material, nítida é a incompatibilidade do preceito legal vergastado com a Constituição Federal.
           Isso porque a Carta Maior diz ser inviolável a liberdade de crença e de consciência, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos (artigo 5º, inciso VI) e,  sendo assim, quando a lei estadual permite o sacrifício de animais somente para as religiões de matriz africana, privilegia apenas uma dentre tantas outras religiões que também utilizam rituais com sacrifício de animais. A norma objurgada, neste aspecto, cria exceção, distinguindo somente as religiões com raízes africanas, atentando contra o princípio da igualdade, inserto no artigo 5º caput, de observância obrigatória e criando preferências num estado laico, com vedação expressa no artigo 19, inciso III, ambos da Carta Maior.
           Por isso, fazendo distinção que a própria Constituição da República não faz, e violando a organização política-social expressando preferência ao excepcionar determinada expressão religiosa, padece ela da eiva de inconstitucionalidade.
           No Brasil o sincretismo religioso permite a convivência pacífica entre inúmeras seitas, religiões, cultos e crenças onde cada qual escolhe a forma que melhor expresse suas crenças religiosas. Entretanto, ainda que a lei crie um estado de liberdade geral para que todos possam praticar sua religião, não define tais ou quais religiões teriam permissão para sacrificar animais. Se a Lei Maior não o fez, apenas concedeu ampla liberdade para que as crenças fossem externadas, não pode lei local permitir somente às religiões africanas o abate de animais em seus rituais.
            De outro lado, ao excluir da vedação do artigo 2º o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz africana, estabelece o legislador estadual que para a finalidade exclusiva destes cultos e liturgias não está resguardado o valor protegido pelo Código Estadual de Proteção aos Animais – Lei nº 11.915/2003, legislação esta que dava suporte ao sentido constitucional do disposto no artigo 225, inciso VII, onde expressamente impõe ao Poder Público a efetivação deste direito do meio ambiente. A efetivação por certo que sofre parcial violação, ao se excluir as liturgias de matriz africana da submissão constitucional.
           Por estes motivos, julgo procedente a ação.
           É como voto. 
DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS – Senhor Presidente, a suspensão do julgamento, com o pedido de vista de Vossa Excelência, permitiu-me refletir novamente sobre a matéria, sempre destacada como extremamente polêmica. E o fazendo, ainda em tempo, quero retificar o voto que proferi na ocasião, quando acompanhei o eminente Relator, a quem rogo vênia, assim como aos eminentes Desembargadores que o acompanharam.
            Para evitar repetições, já que o tema foi amplamente discutido, faço-o pelos fundamentos externados na respeitável posição do Ministério Público, na inicial e em sua manifestação derradeira, com os substanciosos  acréscimos do voto de vista ora proferido por Vossa Excelência.
            Apenas para justificar, resumo o meu ponto de vista no entendimento de que não poderia o Estado legislar a respeito, excluindo da tipificação penal matéria claramente da órbita legislativa federal, e isso para privilegiar uma crença religiosa, a ponto de permitir o sacrifício de animais.
            Daí a refletida compreensão de que, como sustenta o proponente, a lei impugnada efetivamente padece do vício de inconstitucionalidade, tanto de natureza  formal  como material.
            Razão pela qual, renovada vênia, estou em acompanhar a dissidência, ao efeito de julgar a ação procedente.
DES. ARNO WERLANG – Eminente Presidente, da mesma forma, na mesma linha, também estou modificando o meu voto no sentido de julgar procedente pelos fundamentos ora apresentados por Vossa Excelência. 
DES. ROQUE MIGUEL FANK – Eu também, Senhor Presidente, retifico o meu voto e acompanho Vossa Excelência. 
DES. ANTONIO CARLOS NETTO MANGABEIRA – Senhor Presidente, estou aderindo ao entendimento da dissidência.
            Conforme foi muito bem salientado no voto de Vossa Excelência, a lei impugnada é inconstitucional sob o ponto de vista formal, visto que compete privativamente à União legislar sobre Direito Penal. Legislando o Estado a respeito, invadiu a competência privativa da União. Inconstitucional também sob o ponto de vista material, considerando que a lei estadual, privilegiando apenas uma dentre tantas outras religiões que utilizam rituais com sacrifício de animais, atenta contra o princípio de igualdade, criando preferência.
            Voto, pois, pela procedência da ação de inconstitucionalidade do texto legal impugnado, aderindo aos fundamentos da dissidência.
DES. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA – Senhor Presidente, antes que seja anunciado o resultado, também gostaria de modificar meu voto, pedindo a mais respeitosa vênia ao eminente Relator, pois, assim como o Des. Luiz Ari, também refleti sobre a matéria enquanto suspenso o julgamento, alinhando-me ao voto proferido ao início do julgamento pelo condutor da dissidência, o Des. Englert, com as considerações feitas pelo eminente Des. Paulo Moacir.
            De sorte que, Senhor Presidente, retificando o voto, estou julgando no sentido da procedência da ação.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 70010129690, DE PORTO ALEGRE: “POR MAIORIA, JULGARAM IMPROCEDENTE A AÇÃO, VENCIDOS OS DESEMBARGADORES ALFREDO GUILHERME ENGLERT, ALFREDO FOERSTER, VLADIMIR GIACOMUZZI, PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA, PRESIDENTE E ANTONIO CARLOS NETTO MANGABEIRA, COM ALTERAÇÃO DE VOTO, NESTA SESSÃO, DOS DESEMBARGADORES LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS, ROQUE MIGUEL FANK, MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA E ARNO WERLANG”.
SBDS

Fonte: TJ/RS

2 comentários:

Dr. Félix Ayoh'OMIDIRE disse...

Olá, sou Félix Ayoh'OMIDIRE. Queria lhe pedir esclarecimentos a respeito da citação do meu nome neste artigo. Não me lembro ter conversado "recentemente" com o autor deste artigo. Quando foi isso mesmo? que número de telefone uso para falar comigo?

I.A.S. disse...

Boa tarde, Dr. FELIX!

Em atenção ao seu comentário, esclareço,embora a postagem não me pareça deixar dúvida, que se trata de acórdão do TJ/RS, ONDE FORAM ENXERTADAS IMAGENS, circunstância que está destacada na matéria, com uma observação especifica.
A afirmação de ter havido contato com sua pessoa não é minha, mas do relator do acórdão.