Colunistas
Wálter Maierovitch
Walter Maierovitch é jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP
Crime
perfeito, no popular, é aquele sem identificação da autoria. Com
efeito, há 29 anos desaparecia Emanuela Orlandi, de 15 anos, filha de um
dos servidores do papa Karol Wojtyla.
No momento, os magistrados do
Ministério Público italiano exploram dois novos filões investigativos da
chamada Vaticano Connection. Emanuela tinha cidadania e residia com os
pais no Vaticano e o papa João Paulo II, sensibilizado, fez vários
apelos pela sua libertação. Ela desapareceu em 22 de junho de 1983.
Tímida, recatada e flautista, ela foi sequestrada na saída da escola
de música junto à Basílica Menor de Santo Apolinário, no centro
histórico de Roma. A propósito e recentemente descobriu-se que na cripta
dessa basílica estava sepultado o sanguinário Enrico de Pedis,
apelidado de Renatino, um dos chefões da Banda della Magliana,
organização criminosa romana de matriz mafiosa. Em maio último, o caixão
de Renatino, assassinado em 2 de fevereiro de 1990, foi removido da
basílica e aberto, uma vez que se suspeitava estivessem no seu interior
os espólios de Emanuela.
O capo Renatino era íntimo do monsenhor Pietro Vergari, responsável
pela basílica e reitor do conservatório musical onde estudava Emanuela. A
sóror Dolores, diretora musical, sempre recomendava às jovens alunas
distanciamento de Vergari. Nenhuma das menores era escalada para
participar do coral nas missas da basílica. Sobre isso existe até o
relato de Pietro Orlandi, irmão da vítima: “A sóror Dolores mandava para
outras igrejas porque desconfiava do monsenhor e tinha uma opinião
muito negativa de Vergari”.
Não se deve olvidar de laços da dupla
Renatino-Vergari com Roberto Calvi, do escândalo do Banco Ambrosiano e
apelidado de o Banqueiro de Deus, e com o arcebispo Paul Marcinkus,
presidente do Banco Vaticano (IOR) e mantido até 1989 na sua direção.
Dessa linha investigativa parte a suspeita do desaparecimento de
Emanuela como ameaça feita com o fim de não se tocar na administração da
lavanderia de dinheiro sujo instalada no Banco Vaticano-IOR.
Internamente existiam purpurados desejosos do afastamento de
Marcinkus. Um deles era Albino Luciani, patriarca de Veneza, depois
eleito papa João Paulo I. Na urna mortuária tirada da basílica estava o
corpo de Renatino e não o de Emanuela. Parte das investigações
concentra-se nas ossadas, sem identificações, encontradas nos
subterrâneos da basílica. Em breve serão conhecidos os testes de DNA
para comparações com os de Emanuela.
A nova e mais forte das pistas parte de informações do arcebispo
Bernard Law, defenestrado de Boston por dar cobertura a padres
pedófilos. Law, surpreendentemente, está lotado em Santa Maria Maggiore,
uma das quatro basílicas papais de Roma. Antes de aportar em Roma, Law
foi ouvido na Corte de Justiça de Suffolk e, monossilabicamente,
confirmou que os padres pedófilos usavam, para enviar missivas, uma
única caixa postal, a da estação central de Boston, conhecida como
Kenmore Station.
Esse relato de Law resultou em diligências, pelos
magistrados italianos, sobre o exato lugar de envio de três cartas
recebidas, duas em setembro de 1982 e uma em janeiro de 1984, pelo
correspondente da CBS em Roma, o jornalista Richard Roth. Nelas eram
feitas propostas de troca e ameaça de eliminação de Emanuela. Todas as
três cartas manuscritas saíram, conforme timbres grafados, da referida
estação de Boston. As autoridades norte-americanas confirmaram a
autenticidade do timbre da Kenmore Station e a postagem feita nesta
cidade.
Forte elemento relativo à correlação do sequestro de Emanuela com
padres pedófilos depreende-se da mensagem apreendida em 4 de setembro de
1983, pouco mais de dois meses do desaparecimento. A mensagem foi
deixada no interior de um furgão da Rádio e Televisão Italiana (RAI). Os
peritos concluíram que as cartas ao jornalista Roth, da CBS, e a
mensagem deixada no furgão foram escritas pelo mesmo punho.
Outra certeza dá conta de que os autores do sequestro de Emanuela
Orlandi foram os mesmos de Mirella Gregori, também de 15 anos,
desaparecida em 7 de maio de 1983, ou seja, pouco antes do rapto de
Emanuela. As mesmas reivindicações de troca pelo turco Mehmet Ali Agca,
que tentou matar o papa Wojtyla, chegaram em mensagens telefônicas. À
mãe de Mirella, um dos sequestradores descreveu as roupas íntimas que
vestia e a marca de cada peça. Essa troca é tida como puro
despistamento.
Quanto à voz interceptada do sequestrador, o serviço secreto italiano
concluiu tratar-se de pessoa culta, irônica, de sotaque anglo-saxônico e
ligada ao ambiente eclesiástico. O padre Gabriele Amorth, muito
estimado pelo papa Bento XVI e considerado o principal exorcista da
Igreja, acabou de revelar ao jornal La Stampa que o crime de Emanuela
tem motivação sexual e lembrou que os arquivos do Vaticano registraram
orgias em Santo Apolinário, incluindo o recrutamento de meninas por um
ex-membro da Guarda do Vaticano.
Pano rápido: crime perfeito, dizem, é apenas aquele mal investigado.
Fonte: CARTACAPITAL
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