Atualização de código
O
seminário sobre o Código de Defesa do Consumidor, organizado pelo
Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) na última
quarta-feira (13/6), colocou de um lado os professores Kazuo Watanabe e
Roberto Augusto Pfeiffer, que ajudaram na elaboração do anteprojeto que
atualiza o CDC, e, do outro, o professor Luiz Rodrigues Wambier e o
advogado Nelson Nery Jr.
O termo “atualiza” é utilizado no lugar
de “reforma” porque, nas palavras de Pfeiffer, a comissão do CDC,
capitaneada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça Herman
Benjamin, ponderou que não havia a necessidade de promover extensas
alterações. Ela, então, se ateve a três aspectos: comércio eletrônico,
superendividamento e ações coletivas.
“Comércio eletrônico por
razões óbvias: ele não existia quando da promulgação do CDC, em 1990”,
afirmou. “Também por causa de sua intensa adoção, com crescimento médio
de 30% ao ano. Não por coincidência, as reclamações avançam a taxas
ainda maiores”. No Procon de São Paulo, por exemplo, aumentaram 80% em
2011.
O superendividamento tampouco é abordada pelo atual Código.
Como explica Pfeiffer, até a década de 90 o acesso ao crédito era
restrito às classes A e B e havia o problema da hiperinflação. “Hoje
vivemos outra situação e há uma relação direta entre acesso o crédito e o
fenômeno do superendividamento”, acusou. Segundo o professor, o
fenômeno é observado nos Estados Unidos e na Europa, onde não foi
evitado apesar de sua população ter uma educação financeira superior ao
da brasileira. “Por isso é necessária uma preparação para esse tema no
CDC.”
Por fim, as ações coletivas foram revisadas por uma questão
instrumental. De acordo com o professor, a modificação visa impedir a
proliferação de ações individuais sobre um mesmo tema, dado o
esgotamento da capacidade do Poder Judiciário em enfrentá-los. Se
“substituídas” pelas coletivas, contribuiriam para uma melhor prestação
jurisdicional.
Houve um intenso debate sobre a conveniência ou não
da atualização, admitiu Pfeiffer, sobre o temor de que, durante a
tramitação no Congresso Nacional, emendas parlamentares poderiam
desfigurar o conteúdo inicial, retroagindo seu sentido. No entanto,
insistiu que havia a necessidade de se avançar principalmente na questão
do Direito Material. “O ministro Herman tem uma frase bastante feliz.
Ele diz que, se não regulássemos o comércio eletrônico e o
superendividamento, correríamos o risco de ficar daqui a alguns anos
regulando apenas a periferia do mercado de consumo.”
Arbítrio institucionalizado
Embora Pfeiffer tenha se encarregado de apresentar o
anteprojeto, os primeiros a falar foram Wambier e Nery Jr., que não se
furtaram de criticar severamente as alterações propostas. Wambier
iniciou seu discurso tratando da interpretação do CDC sobre o
superendividamento, que não inclui, por exemplo, os pequenos
agricultores, pois os empréstimos seriam para atividade profissional, e
que não cita em nenhum momento o Estado.
“Nada há nos projetos que
penaliza o Poder Público, sabidamente o grande credor de todos nós”,
observou. “Terá a comissão ouvido a sociedade que se endivida porque
gasta com funções que não suas? Com despesas que não teria se não
precisasse recorrer a creches e escolas privadas, a transporte escolar
privado, a planos de saúde privado? Isso tudo não foi levado em conta no
conceito de superendividamento.”
Em seguida, o professor apontou
para os artigos 27, 81 e 90 do projeto, que falam da prescrição da
pretensão para demandas individuais e coletivas. “A razão de ser da
prescrição, por mais que a odiemos, é a estabilização das relações
sociais”, afirmou. “Limitá-la no tempo é contribuir para que os litígios
se extingam. Assim todos ganham, a sociedade ganha com a
estabilização.”
“A prescrição é uma situação absolutamente
necessária em um Estado de Direito”, concorda Nery Jr. “A tendência de
tudo que existe no mundo é diminuir os prazos de prescrição e nós vemos
agora aqui uma tendência contrária, de aumentá-los. Estamos na contramão
da história”, disse, atribuindo tal movimento a uma visão exagerada de
proteção ao consumidor e ao levante de bandeira ideológica.
O
último artigo questionado por Wambier, o 90-G, é a seu ver tão
“aberrante”, que só pode ter surgido por “equívoco”. Ele versa sobre a
ação reparatória a direitos difusos e coletivos, em que a condenação
poderá ocorrer independentemente do pedido do autor.
“Permitir que
o Estado, na pessoa do juiz ou de qualquer outro agente, decida o que
lhe convier contra as garantias individuais do cidadão, ainda que
imbuído das melhores intenções, é institucionalizar o arbítrio”,
destacou. “Acredito que o dispositivo com esse teor jamais será aprovado
pelo Congresso Nacional e, se for, ficará sujeito tanto ao veto
presidencial quanto ao controle de constitucionalidade do Supremo
Tribunal Federal.”
O professor Watanabe, no entanto, defendeu a
proposta, criada por razões de interesse social. “Há conflitos de tal
forma insignificantes, irrelevantes no plano individual, mas
extremamente importantes no plano coletivo”, justificou. “Nesses casos, é
importante que o Estado atue.”
Watanabe deu o exemplo de uma
fabricante de óleo combustível que lance no mercado latas que tenham uma
quantidade mínima do líquido faltando, que corresponda a, no máximo, R$
0,20. “Nenhum consumidor irá ao tribunal para reclamar de seu dano
individual”, observou. “Tanto é que lei diz que, se não houver
habilitação dos indivíduos afetados após a condenação, a indenização irá
para um fundo. É uma preocupação social”, argumentou.
Ricardo Zeef Berezin é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 14 de junho de 2012
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