Políticos, sindicalistas e governantes concordam: dívida pública é insustentável
Rachel Duarte
Esquerda, direita, sindicatos e governos concordam que a dívida
pública é o centro dos problemas nacionais. O debate foi aberto por um
grupo de governadores e agora tem continuidade no legislativo gaúcho.
Nesta quinta-feira (14), a Comissão Especial da Dívida Pública do RS
ouviu as contribuições de dois ex-secretários estaduais da Fazenda,
Orion Cabral (governo Collares) e Cezar Busatto (governo Britto). Os
convidados traçaram um panorama econômico desde 1998 e apresentaram
opiniões sobre as causas do atual passivo de R$ 2,5 bilhões da receita
gaúcha destinada anualmente ao Tesouro Nacional. Busatto defendeu que “a
hegemonia do sistema financeiro especulativo mundial é o perverso
causador do desequilíbrio fiscal que agrava a dívida interna dos estados
com a União”. Já Cabral acredita que o problema sempre foi político e
requer solução política. “Há uma generosidade e uma cultura de
endividamento no país”.
Os termos do acordo de renegociação da dívida do Estado do Rio Grande
do Sul com a União, assinado em abril de 1998, ainda geram discussão e
foram abordados pelos ex-secretários. Secretário de estado na época do
acordo, Busatto disse que não concorda com o que foi feito, mas que é
preciso analisar as distintas conjunturas macroeconômicas. “Estávamos
nos primeiros anos do recém implantado plano real e havia a ilusão da
inflação próximo de zero, que sabíamos que não iria perdurar. Tinha mês
que a inflação chegava a 18%. Hoje falamos em 5% de inflação no ano”,
comparou.
De acordo com Busatto, a política econômica nacional da época também
teve influências diretas nas finanças estaduais, o que contribuiu com o
aumento do bolo da dívida pública a longo prazo. “Os governos adoram
inflação porque corrige as receitas e as despesas, como salários de
pessoal, só se reajusta uma vez a cada ano. Uma política ousada foi
feita pelo ex-prefeito Raul Pont na Prefeitura de Porto Alegre que
pagava salários de servidores a cada dois meses com aumento. Ela gerou
um déficit para o governo seguinte”, exemplificou na presença do
petista, que hoje é deputado estadual.
Para o antecessor de Busatto, o ex-secretário da Fazenda do governo
de Alceu Collares (PDT), Orion Cabral, se no acordo para federalização
da dívida a União tivesse aceitado a sugestão dada pelo governo gaúcho, a
dívida já teria sido liquidada. “Nós propusemos que a correção da
dívida fosse de acordo com a disponibilidade da receita. Os estados com
maior arrecadação pagariam mais e os outros o que pudessem, de modo que a
dívida não ficasse acima de 7%”, explicou. E acusou que o enfrentamento
da dívida é feito de forma política no Brasil. “Foi uma decisão
política. A situação atual é reflexo de decisões políticas de governos
que priorizaram uma política de inflação. Agora, temos que ter uma
solução política”, cobrou.
“Agora é a hora da União olhar para os entes federados”, cobra Busatto
Neste ponto, ambos entraram em consenso na audiência. “Agora é a hora
da União olhar para os entes federados. Ela pode apostar na repactuação
da dívida e confiar os recursos a permanecer nos estados para
investimentos”, disse Busatto. O economista tucano sugeriu o
parcelamento da dívida em 60 ou mesmo 100 anos. “O dinheiro é para o
mesmo país. Se a União perde um pouco por um lado, por outro ela não
precisa se preocupar em ampliar linhas de crédito para executar o PAC ou
outros investimentos nos estados”, complementou.
O secretário da Fazenda no governo Britto hoje defende a
transformação da dívida com a União em investimentos compulsórios, que
poderiam tanto ser aplicados em infraestrutura, como na área social. E
fez duras críticas ao capital financeiro especulativo e elogiou o
movimento Occupy, que tem tomado as ruas nos principais centros
financeiros mundiais. Ele acredita numa mudança do padrão de
desenvolvimento, com a quebra da hegemonia do capital financeiro, que
estaria levando a humanidade a um abismo. “Por que a lógica do mercado
não é aplicada aos bancos? Por que as empresas e as famílias podem
quebrar e os bancos não?”, questionou.
Baseado em um estudo do economista Marcelo de Siqueira, do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o ex-secretário aponta que a
dívida gaúcha baixou em relação ao período do governo Britto. Porém,
isso teria sido feito com a contenção da despesa de pessoal e com a
redução de investimentos.
“Não queremos refinanciamento, queremos refazer esta lógica perversa”, diz sindicalista
O Núcleo Gaúcho de Auditoria Cidadã da Dívida Pública concorda com a
necessidade enfrentamento do tema, mas defende uma auditoria da dívida.
Formado por sindicalistas e funcionários públicos, o Núcleo entende que o
momento é para refazer a política econômica originária da dívida
pública e não apenas apresentar soluções de ‘refinanciamento’. “Não se
trata de discutir apenas o alongamento dos prazos ou a troca de índices
sobre o valor da dívida. Temos que ter um refazimento da política
econômica que originou esta dívida. Temos o exemplo do que fez o
Equador, que conseguiu reduzir 60% da dívida e o sistema financeiro não
saiu do país. É preciso combater o perverso sistema financeiro
internacional especulativo”, falou a integrante Neiva Lazarotto.
O deputado estadual Raul Pont (PT) também puxou o debate para o
espectro político, apontando que as medidas adotadas ao longo da
história e influenciam na situação de insustentabilidade da dívida
pública, tiveram “lado” e precisam ser identificados para nortear as
novas ações. “Não são meramente medidas técnicas, neutras. As
consequências são visivelmente ideológicas. A Lei Candir afetou
diretamente a produção industrial. Na crise internacional dos Estados
Unidos optou-se por uma ação para salvar os bancos e quem se beneficiou
foram os bancos. Isto deixa áreas sociais fundamentais com cada vez
menos investimentos”, defendeu.
Pont disse que a falta de preocupação social e previsão sobre as
consequências de longo prazo não foram os erros do acordo de 1998 e
propõem novo olhar sobre a situação atual. “Se o RS e os estados pagam o
estado brasileiro e estado investe bem eu não vejo problema em deixar
os recursos com a União. Acredito que hoje se investe muito melhor e
mais do que em outros governos”, disse elogiando a gestão do PT na
presidência da República. Como sugestão para a relação de dívida entre
os estados e União ele propôs equalizar os déficits dos governos no
cumprimento dos mínimos constitucionais para Saúde e Educação. “Se
quiserem lançar uma grande campanha contra os bancos privados eu sou
parceiros”, também sugeriu.
“Não interessa responsabilizar o passado. Vamos decidir o futuro”, alerta auditor do TCE
Na avaliação do presidente do Centro dos Auditores Públicos Externos
do TCE, Amauri Perusso, “não interessa responsabilizar o passado pelo
momento do presente”. Ele alerta para que os futuros contratos de
renegociação da dívida não adotem medidas que coloquem juros sobre juros
e que tragam equilíbrio entre o fiscal e o social.
A Comissão Especial da Dívida Pública do RS fará novas audiências
públicas a fim de esclarecer o assunto para a sociedade e encontrar
formas de solucionar o problema. As próximas tratarão de temas
interligados à dívida, como a distribuição dos royalties do petróleo,
Fundo de Participação dos Estados, a guerra fiscal e a reforma
tributária. Serão convidados para o debate os deputados federais Sandro
Mabel (PR-GO) e Paulo Pimenta (PT-RS), relator da Reforma Tributária e
presidente da Comissão Mista de Orçamento respectivamente. Devem ser
convidados também os senadores gaúchos Pedro Simon (PMDB), Paulo Paim
(PT) e Ana Amélia Lemos (PP).
Fonte: SUL 21
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