Todos os dias, mais de 1 bilhão de litros de esgoto são despejados no Guaíba
Pássaros vivem em meio a lixo a céu aberto
Foto:
Mauro Vieira / Agencia RBS
Francisco Amorim | Itamar Melo
Em apenas 39 quilômetros de curso, o Rio Gravataí condensa o trajeto
da vida à morte imposto aos rios gaúchos pelo descaso com o esgoto e as
águas. Ele nasce cristalino, em santuários naturais entre Glorinha e
Santo Antônio da Patrulha.
No seu trecho inicial, sustenta 37
espécies de anfíbios, dá de beber a capivaras, jacarés, antas e macacos e
abriga os últimos cervos-do-pantanal do Estado.
Depois,
vai sendo assassinado quilômetro após quilômetro. Transformado em
principal cano de esgoto de uma população de 1,2 milhão de pessoas,
agredido por resíduos industriais e dessangrado pelas lavouras, chega ao
fim da sua jornada escuro, fétido, sem vida.
O Delta do Jacuí,
seu desaguadouro, é uma espécie de necrotério de rios, onde o Gravataí
se reúne a um punhado de moribundos companheiros de sina. Em 2010,
quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) elegeu
os cursos de água mais ameaçados do país, para analisá-los no estudo
Indicadores do Desenvolvimento Sustentável, nada menos do que três rios
que desembocam no Delta apareceram entre os 11 considerados mais
críticos: o Gravataí, o Sinos e o Caí.
A situação mais alarmante é
a do Sinos, rio que serve de cloaca a munícipios como Canoas –
ranqueada em um estudo recente do Instituto Trata Brasil como a oitava
cidade com pior saneamento do país, entre 81 municípios com mais de 300
mil habitantes. No estudo do IBGE, foi calculada a chamada Demanda
Bioquímica de Oxigênio (DBO), a quantidade de oxigênio necessária para
degradar a matéria orgânica presente na água (oriunda do esgoto
doméstico, principalmente).
O Conselho Nacional do Meio Ambiente
(Conama) estabelece um limite de 5 miligramas por litro para as águas
da classe do Sinos e do Gravataí usadas no abastecimento público. Em
2005, o Sinos chegou a um DBO médio de nove mililitros.
— Quatro
já acende o sinal amarelo. Mas, quando passa de cinco, a situação é
crítica — diz o biólogo Clebes Brum Pinheiro, da Fundação Estadual de
Proteção Ambiental.
É desses rios em agonia e do Guaíba – no qual
desembocam nove bacias hidrográficas transformadas em desaguadouro da
maior parte do esgoto produzido por 6,5 milhões de gaúchos – que sai a
água que bebemos.
O coordenador do Programa de Pós-graduação em
Recursos Hídricos e Saneamento da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), Carlos André Bulhões Mendes, estima que, por falta de
preocupação com o saneamento, 12 mil litros de esgoto sejam despejados
por segundo nos rios que alimentam o Guaíba – 1 bilhão de litros de
dejetos por dia.
Transformar esse manancial contaminado em água
potável, mostram estudos, sai mais caro do que custaria dar um destino
apropriado ao esgoto. E o resultado final levanta dúvidas. Jogados sem
tratamento nos recursos hídricos, os dejetos contêm substâncias que não
são eliminadas da água.
A imundície também servirá de
combustível para a proliferação das algas que conferem sabor ruim à água
fornecida na Capital. E essa é só uma parte dos efeitos do riocídio
cometido pelos gaúchos.
— Se os peixes não morrem, ficam
contaminados. Na lavouras, é comum fazer a irrigação com água poluída. E
há ainda a multiplicação das áreas impróprias para banho — lista o
presidente-executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos.
Guardião
de uma das nascentes do Gravataí, Noederci da Silva Santos, 56 anos,
lamenta que não se reproduza em todo o curso do rio o capricho que ele
dedica à Fonte Imperial, em Santo Antônio da Patrulha. Ele não crê que o
líquido da torneira é o mesmo que um dia saiu da fonte.
— Em Porto Alegre a água tem gosto. Como pode? Olha como ela sai limpa daqui — observa o servidor público.
Fonte: ZERO HORA
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