1
06
2012
Caio Teixeira, jornalista
O
Ministério Público do Trabalho (MPT) que tanto tem lutado contra o
trabalho escravo e outras condições de trabalho desumanas, acaba de
consolidar uma nova divisão em Florianópolis. Trata-se do Ministério
Público do Capital, destinado a atuar na defesa de interesses patronais
em caso de greves em serviços públicos ditos essenciais, ainda que
contraditoriamente, entregues a empresas privadas.
Segundo a Constituição Federal, o MPT existe dentre outras coisas, para a “defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos”.
Direitos Sociais são os direitos das pessoas como a educação, a saúde, a
alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados.
Na
greve dos motoristas e cobradores de ônibus da Grande Florianópolis,
para cumprir sua função, o MPT deveria ter defendido portanto os
seguintes dispositivos da Constituição Federal: 1- o Direito de Greve
(art.9º); 2- o Direito a salário capaz de atender a necessidades com
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe
preservem o poder aquisitivo (art.7º); 3- a proibição de interferência e
intervenção do Poder Público na organização sindical (art.8º); 4- a
proteção contra despedida arbitrária (art.7º); 5- a participação nos
lucros da empresa (art.7º); 6- a redução dos riscos inerentes ao
trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; 7- a
proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual
(art.7º). Vamos ficar por aqui. Já chega para pensarmos um pouco. Cabe
registrar que patrões, governos, Judiciário, mídia e agora o Ministério
Público consideram normal quando eles próprios descumprem a Constituição
e as leis, mas ficam raivosos quando os trabalhadores fazem greve para
exigir tal cumprimento, neste sistema que insistem em chamar Democracia
(governo do povo).
Se
o MPT tivesse defendido em primeiro lugar os direitos dos
trabalhadores, talvez tivesse até mesmo evitado a greve ou diminuído seu
tempo. Mas não o fez, em nenhum momento!
A Procuradora do Trabalho que acompanhou o caso, ao contrário, posicionou-se o tempo todo na defesa de um suposto “interesse público”
das pessoas andarem de ônibus. Interesse público do qual, não faz
parte, na opinião da procuradora, o capítulo dos direitos sociais da
Constituição. Há uma lei que regulamenta a greve nos serviços essenciais
e transporte público é um serviço essencial, diz ela.
O
que diz a lei? A Lei diz que durante a greve nesses serviços, deve ser
garantido o atendimento daquelas necessidades da população que se “não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.”
Diz também que se trabalhadores e patrões não chegarem a um acordo
sobre como fazer este atendimento, o Poder Público, no caso a
Prefeitura, assegurará a sua prestação. Em nenhum momento foi cobrada da
Prefeitura a sua responsabilidade.
É
óbvio que deixar de comparecer ao trabalho ou à escola, ou simplesmente
deixar de fazer compras é no máximo um transtorno, mas não coloca em
risco nem a sobrevivência, nem a saúde, nem a segurança das pessoas.
Deixar de ir a um hospital buscar socorro médico sim, pode colocar em
risco a saúde ou a sobrevivência, assim como fugir de uma calamidade
pública como um terremoto ou inundação. Mas não tivemos nenhuma
calamidade em Florianópolis no período da greve, tampouco temos na
cidade legiões de doentes necessitados de socorro, e os que há poderiam
ser atendidos seletivamente por um percentual talvez de 2 ou 3 por cento
dos ônibus em circulação. Ou melhor, com veículos da prefeitura se ela
assumisse sua responsabilidade.
No
entanto, na ação que protocolou no TRT, tão logo a greve foi
deflagrada, a procuradora pediu 100% dos ônibus funcionando nos horários
de pico. Ora, 100% trabalhando não é greve. É, ao contrário, a negação
do direito de greve, a negação da Constituição, a negação da Lei. É a
negação da ordem jurídica que o Ministério Público tem o dever de
defender!
Os
trabalhadores tentaram não causar transtornos à população e propuseram
na audiência de conciliação garantir 100% da frota em funcionamento
durante a greve, desde que as catracas fossem liberadas para a
população. Afinal, a greve é feita para pressionar os patrões a
negociar. A sociedade, portanto não teria qualquer transtorno durante a
greve, mas os empresários não aceitaram e, por isso, a população ficou
sem ônibus. A procuradora ignorou a proposta como se fosse um absurdo as empresas pagarem por sua própria intransigência.
As greves só ocorrem porque empresas buscam o lucro e para aumentar salários, forçosamente o lucro tem que diminuir. Não há outra conta. É matemática. Uma greve se resume a isto: lucros X salários.
Os
motoristas e cobradores ficaram isolados no tribunal, sentados à
esquerda do juiz. Do lado direito sentaram-se juntos os patrões
empresários e os representantes da prefeitura que não abandonaram em
momento algum a bancada patronal. Na mesa principal a procuradora ao
lado do juiz.
Certo
seria a prefeitura ficar do lado dos cidadãos trabalhadores que
carregam nos ombros a imensa responsabilidade de dirigir pelo trânsito
caótico e estressante da cidade ônibus de 15 toneladas, lotados de
outros cidadãos, sem cintos de segurança e em pé. Preferiu, no entanto
ficar ao lado dos empresários que prestam um dos piores serviços de
transporte público do Brasil e ganham rios de dinheiro. Ganham também da
prefeitura renovação das concessões sem licitação! O Ministério público
não vê esta ilegalidade. É verdade, dinheiro financia campanhas
eleitorais, estamos em ano eleitoral e o vice-prefeito sentado na
bancada patronal é pré-candidato a prefeito. Quanta coincidência.
E
a Procuradora do Trabalho, defendeu o trabalho? Não! Comportou-se como
um patrão: negou no direito de greve e pediu 100% de ônibus funcionando.
Pediu, e o TRT atendeu, multa de R$ 100 mil por dia do sindicato e
quando os trabalhadores resolveram soberanamente manter a greve mesmo
pagando a multa abusiva, ela esbravejou furiosa. Pediu bloqueio das
contas do sindicato, pediu desconto dos dias parados, pediu força
policial para reprimir a greve e, num supremo devaneio patronal, pediu o
que nem os empresários ousaram pedir: a demissão dos grevistas por
justa causa!
Com
exceção da multa, seus pedidos não foram sequer apreciados pela Justiça
do Trabalho que preferiu apostar num acordo. O acordo foi alcançado,
sem o desconto dos dias parados pedido pela Procuradora do Trabalho, sem
as demissões pedidas pela Procuradora do Trabalho, com conquista de
direitos com os quais não se preocupou em nenhum momento a Procuradora
do Trabalho e com a garantia do direito de greve contra o qual lutou o
tempo todo a Procuradora do Trabalho. Os trabalhadores perseguidos o
tempo todo por ela deveriam imediatamente entrar com uma representação
no Conselho Nacional do Ministério Público denunciando os desvios de
conduta desta sua representante. O MP enquanto instituição não merece
isto.
Uma coisa é certa, ao final de seu trabalho durante a greve, essa ilustre senhora fez jus ao merecido título de Procuradora do Capital, pelo qual certamente passará a ser conhecida no meio dos trabalhadores.
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