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quarta-feira, 6 de junho de 2012

A Greve e o Ministério Público do Capital


1 06 2012
Caio Teixeira, jornalista    

O Ministério Público do Trabalho (MPT) que tanto tem lutado contra o trabalho escravo e outras condições de trabalho desumanas, acaba de consolidar uma nova divisão em Florianópolis. Trata-se do Ministério Público do Capital, destinado a atuar na defesa de interesses patronais em caso de greves em serviços públicos ditos essenciais, ainda que contraditoriamente, entregues a empresas privadas.
Segundo a Constituição Federal, o MPT existe dentre outras coisas, para a “defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos”. Direitos Sociais são os direitos das pessoas como a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.
Na greve dos motoristas e cobradores de ônibus da Grande Florianópolis, para cumprir sua função, o MPT deveria ter defendido portanto os seguintes dispositivos da Constituição Federal: 1- o Direito de Greve (art.9º); 2- o Direito a salário capaz de atender a necessidades com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo (art.7º); 3- a proibição de interferência e intervenção do Poder Público na organização sindical (art.8º); 4- a proteção contra despedida arbitrária (art.7º); 5- a participação nos lucros da empresa (art.7º); 6- a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; 7- a proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual (art.7º). Vamos ficar por aqui. Já chega para pensarmos um pouco. Cabe registrar que patrões, governos, Judiciário, mídia e agora o Ministério Público consideram normal quando eles próprios descumprem a Constituição e as leis, mas ficam raivosos quando os trabalhadores fazem greve para exigir tal cumprimento, neste sistema que insistem em chamar Democracia (governo do povo).
Se o MPT tivesse defendido em primeiro lugar os direitos dos trabalhadores, talvez tivesse até mesmo evitado a greve ou diminuído seu tempo. Mas não o fez, em nenhum momento!
A Procuradora do Trabalho que acompanhou o caso, ao contrário, posicionou-se o tempo todo na defesa de um suposto “interesse público” das pessoas andarem de ônibus. Interesse público do qual, não faz parte, na opinião da procuradora, o capítulo dos direitos sociais da Constituição. Há uma lei que regulamenta a greve nos serviços essenciais e transporte público é um serviço essencial, diz ela.
O que diz a lei? A Lei diz que durante a greve nesses serviços, deve ser garantido o atendimento daquelas necessidades da população que se “não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.” Diz também que se trabalhadores e patrões não chegarem a um acordo sobre como fazer este atendimento, o Poder Público, no caso a Prefeitura, assegurará a sua prestação. Em nenhum momento foi cobrada da Prefeitura a sua responsabilidade.
É óbvio que deixar de comparecer ao trabalho ou à escola, ou simplesmente deixar de fazer compras é no máximo um transtorno, mas não coloca em risco nem a sobrevivência, nem a saúde, nem a segurança das pessoas. Deixar de ir a um hospital buscar socorro médico sim, pode colocar em risco a saúde ou a sobrevivência, assim como fugir de uma calamidade pública como um terremoto ou inundação. Mas não tivemos nenhuma calamidade em Florianópolis no período da greve, tampouco temos na cidade legiões de doentes necessitados de socorro, e os que há poderiam ser atendidos seletivamente por um percentual talvez de 2 ou 3 por cento dos ônibus em circulação. Ou melhor, com veículos da prefeitura se ela assumisse sua responsabilidade.
No entanto, na ação que protocolou no TRT, tão logo a greve foi deflagrada, a procuradora pediu 100% dos ônibus funcionando nos horários de pico. Ora, 100% trabalhando não é greve. É, ao contrário, a negação do direito de greve, a negação da Constituição, a negação da Lei. É a negação da ordem jurídica que o Ministério Público tem o dever de defender!
Os trabalhadores tentaram não causar transtornos à população e propuseram na audiência de conciliação garantir 100% da frota em funcionamento durante a greve, desde que as catracas fossem liberadas para a população. Afinal, a greve é feita para pressionar os patrões a negociar. A sociedade, portanto não teria qualquer transtorno durante a greve, mas os empresários não aceitaram e, por isso, a população ficou sem ônibus. A procuradora ignorou a proposta como se fosse um absurdo as empresas pagarem por sua própria intransigência.
As greves só ocorrem porque empresas buscam o lucro e para aumentar salários, forçosamente o lucro tem que diminuir. Não há outra conta. É matemática. Uma greve se resume a isto: lucros X salários.
Os motoristas e cobradores ficaram isolados no tribunal, sentados à esquerda do juiz. Do lado direito sentaram-se juntos os patrões empresários e os representantes da prefeitura que não abandonaram  em momento algum a bancada patronal. Na mesa principal a procuradora ao lado do juiz.
Certo seria a prefeitura ficar do lado dos cidadãos trabalhadores que carregam nos ombros a imensa responsabilidade de dirigir pelo trânsito caótico e estressante da cidade ônibus de 15 toneladas, lotados de outros cidadãos, sem cintos de segurança e em pé. Preferiu, no entanto ficar ao lado dos empresários que prestam um dos piores serviços de transporte público do Brasil e ganham rios de dinheiro. Ganham também da prefeitura renovação das concessões sem licitação! O Ministério público não vê esta ilegalidade. É verdade, dinheiro financia campanhas eleitorais, estamos em ano eleitoral e o vice-prefeito sentado na bancada patronal é pré-candidato a prefeito. Quanta coincidência.
E a Procuradora do Trabalho, defendeu o trabalho? Não! Comportou-se como um patrão: negou no direito de greve e pediu 100% de ônibus funcionando. Pediu, e o TRT atendeu, multa de R$ 100 mil por dia do sindicato e quando os trabalhadores resolveram soberanamente manter a greve mesmo pagando a multa abusiva, ela esbravejou furiosa. Pediu bloqueio das contas do sindicato, pediu desconto dos dias parados, pediu força policial para reprimir a greve e, num supremo devaneio patronal, pediu o que nem os empresários ousaram pedir: a demissão dos grevistas por justa causa!
Com exceção da multa, seus pedidos não foram sequer apreciados pela Justiça do Trabalho que preferiu apostar num acordo. O acordo foi alcançado, sem o desconto dos dias parados pedido pela Procuradora do Trabalho, sem as demissões pedidas pela Procuradora do Trabalho, com conquista de direitos com os quais não se preocupou em nenhum momento a Procuradora do Trabalho e com a garantia do direito de greve contra o qual lutou o tempo todo a Procuradora do Trabalho. Os trabalhadores perseguidos o tempo todo por ela deveriam imediatamente entrar com uma representação no Conselho Nacional do Ministério Público denunciando os desvios de conduta desta sua representante. O MP enquanto instituição não merece isto.
Uma coisa é certa, ao final de seu trabalho durante a greve, essa ilustre senhora fez jus ao merecido título de Procuradora do Capital, pelo qual certamente passará a ser conhecida no meio dos trabalhadores.
 

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