As construtoras que financiaram a eleição de Gilberto Kassab
(PSD) receberam mais de R$ 2 bilhões da Prefeitura de São Paulo no
período entre 2009, primeiro ano do segundo mandato do prefeito, e
janeiro de 2012.
A maior parte do dinheiro foi repassado às empresas por meio de dois
projetos municipais, o Programa Mananciais e o Programa de Urbanização
de Favelas, administrados pela Secretaria de Habitação (SEHAB). Segundo
dados da secretaria divulgados em janeiro de 2010, os programas estão
orçados em R$ 3,7 bilhões, sendo R$ 1,31 bilhões para os mananciais e R$
2,4 bilhões para as favelas.
A construtora Camargo Corrêa, maior doadora da campanha de 2008, com
R$ 3 milhões, já recebeu da prefeitura mais de R$ 150 milhões, um valor
5.000% maior, em especial por sua participação no Programa Mananciais; a
EIT Empresa Industrial Técnica S/A, segunda da lista de doações, com R$
2 milhões, teve direito a repasses de R$ 148 milhões; a Construtora OAS
Ltda. doou R$ 800 mil e já assinou contratos que lhe valeram mais de R$
193 milhões; a Carioca Christiani Nielsen Engenharia SA doou R$ 100 mil
e recebeu R$ 129 milhões, e a Construtora Passarelli Ltda., doadora do
mesmo valor, recebeu até janeiro R$ 137 milhões.
A Engeform Construções e Comércio Ltda., doadora de R$ 200 mil para Kassab, teve direito até agora a contratos no valor de R$ 148 milhões.
A Kallas Engenharia doou R$ 40 mil para a campanha e abocanhou R$ 25
milhões por meio da Operação Urbana Águas Espraiadas, como principal
construtora do projeto. Somados, os valores repassados chegam a R$
2.081.208.852,50 até janeiro, o que é mais que o orçamento total para a
Secretaria Municipal de Habitação municipal neste ano, de R$ 1,3 bilhão,
o segundo maior valor entre as secretarias de Kassab.
Ainda para efeito de comparação, o investimento habitacional da
prefeitura em 2009, dado mais recente colocado à disposição, foi de R$
518 milhões. Em 2011, a administração destinou o valor simbólico de R$
1.000 para a aquisição de áreas para habitação, mas este valor sequer
foi utilizado – por ser absolutamente insuficiente para adquirir um
único metro quadrado em São paulo.
Algumas dessas empresas também foram apontadas pelo Tribunal Regional
Eleitoral (TRE) de São Paulo como doadoras irregulares na campanha
eleitoral de Kassab em 2008. Em fevereiro de 2010, decisão do juiz da 1ª
Zona Eleitoral, Aloísio Sérgio Resende Silveira, determinou a cassação
do mandato do prefeito com base nas investigações do Ministério Público
Eleitoral.
O magistrado constatou que 93,64% da arrecadação para a campanha
provieram do Comitê Financeiro Municipal Único dos Democratas, partido
ao qual Kassab era filiado, além de percentual menor advindo do
Diretório Nacional dos Democratas, “constatando-se doações de fontes
vedadas no percentutal de 31,01% sobre o total arrecadado, identificadas
na representação como as empresas Construções Camargo Corrêa e Serveng
Civilsan S.A, Empresas Associadas de Engenharia que integra o grupo CCR,
a CR Almeida S.A Engenharia de Obras, a Construtora OAS Ltda, a
Associação Imobiliária Brasileira e o Banco Itaú S.A.”
Chamou atenção do Ministério Público Eleitoral a doação feita pela
Associação Imobiliária Brasileira (AIB), uma entidade que congrega
algumas das maiores empresas do setor.
A entidade sustentou que a AIB era uma artimanha usada para a atuação
eleitoral do Secovi, o sindicato das empresas de habitação. “É uma
fachada do Secovi, que é um sindicato, e sindicato não pode participar
de doações”, afirma o promotor Maurício Lopes, responsável pelo caso, em
entrevista à Rede Brasil Atual. O artigo 24 da Lei Eleitoral
veda a doação por entidade de classe ou sindical, situação que é
considerada um abuso de poder econômico, resultando na cassação de
mandato. “Aquilo ficou bem estampado, bem visível. Agora, também tem uma
coisa: é fraude que não se repete. Isso não vai acontecer de novo este
ano. Eles têm só uma chance de aplicar um golpe desses.”
Além disso, no entendimento do juiz Aloísio Sérgio Resende Silveira,
as doações veladas feitas pelas empreiteiras à campanha de Kassab não
foram nada mais que um vultoso investimento em um candidato com grandes
chances de se eleger. “É inescondível que tais doadores, em verdade,
nada mais fazem do que ‘adiantar’, ou ‘apostar’, a título de
investimento, vultosas quantias no maior número de candidatos com
viabilidade para se elegerem, parte das quais oriundas de atividade que
deveria ser exercida pelo Poder Público, já que, é forçoso reconhecer,
no mínimo uma parte dos lucros que possibilitam tais doações advém da
distribuição do que decorre diretamente da concessionária de serviço
público – obviamente, por regra mas nem sempre -, na proporção da
participação acionária da empresa integrante do grupo econômico
controlador.”
Parcerias privilegiadas
O Programa Mananciais foi criado em 1996, durante a gestão de Paulo
Maluf, e teve continuidade nos anos de Celso Pitta, durante os quais
Kassab era secretário de Planejamento, e foi interrompido em 2001,
início da gestão de Marta Suplicy. Em 2005, com a chegada de José Serra à
prefeitura, e tendo Kassab como seu vice, o trabalho é retomado,
oficialmente com a finalidade de promover a “recuperação socioambiental
de favelas e loteamentos precários” em regiões de represas.
Em 2008 começaram a sair os vencedores dos oito lotes de obras
abertos pela administração municipal, uma soma superior a R$ 1 bilhão.
Camargo Corrêa, OAS, EIT, Engeform e Carioca figuraram entre as
vencedoras de cinco lotes, amealhando R$ 645 milhões. A OAS garantiu
ainda um lote no valor de R$ 146 milhões de um outro programa tocado
pela Secretaria de Habitação, o de urbanização de favelas. Não foi uma
vitória qualquer: a empresa ganhou 30 meses e R$ 146 milhões para, ao
lado da Constran, tocar as obras previstas na operação do Real Parque,
uma comunidade localizada dentro do Morumbi, bairro valorizado do ponto
de vista imobiliário.
Em setembro de 2010, um incêndio destruiu parte da comunidade. No
mesmo mês teve início o processo de urbanização previsto no programa
Nova Paraisópolis, uma ação que, segundo a prefeitura, contará com
investimento de R$ 528 milhões. Naquele mesmo ano, R$ 10 milhões foram
repassados pela administração municipal às construtoras encarregadas do
trabalho, que em janeiro de 2011 entregou as primeiras 140 unidades
habitacionais.
Procuradas, as empresas citadas nesta reportagem não responderam até o fechamento desta matéria.
Fonte: CORREIO DO BRASIL
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