Influência Judaica na Cultura Mineira |
A Influência dos Judeus "Cristãos-Novos" na Cultura Mineira
Por Rita Miranda Soares
O
povo brasileiro é fruto e fonte criadora de
pluralidade cultural. A presença de outros povos em
território nacional ajudou a moldar algumas de nossas
principais características culturais, desde o
desembarque de Cabral na terra que viria a ser o
Brasil.
Essa
diversidade deve ser reconhecida, respeitada e
valorizada. Pois um povo que não conhece suas raízes, é
um povo sem identidade.
Pensando
nisso, procuramos resgatar nesse estudo a influência
da cultura judaica sefaradim na civilização
brasileira, especialmente em Minas Gerais, que é o
tema central da nossa pesquisa. Consideramos
importantíssimo marcarmos essa influência e nos
lembrarmos da vertente judaica junto com o índio, junto
com o negro, junto com o português, e com vários outros
povos – italianos, sírios e libaneses, poloneses,
japoneses, etc. – que aqui vieram compartilhar conosco da
sua cultura.
Resgatar
esses valores é resgatar a própria cultura mineira, a
qual está intrinsecamente ligada à tradição milenar
desse povo. Tradição que se viu camuflada, esquecida
em muitas casas, simplesmente para que as famílias
pudessem fugir às mãos de ferro da Inquisição. Quantos
jovens e crianças não tiveram de renegar seu sangue,
sua crença, sua família? Quantos homens e mulheres não
se viram obrigados a deixar seus lares, suas terras e
seus parentes, jogados numa aventura de futuro
incerto, em frágeis naus, a fim de virem para uma terra
estranha, sem saber o que os aguardava?!
A
Península Ibérica (Portugal e Espanha) contribuiu, de
maneira avassaladora, durante a Inquisição que durou
cerca de três séculos, se não para o genocídio, pelo
menos para o abafamento de boa parte da cultura,
religião e arte de um povo de tão rica formação humanística.
A
assimilação deles em nossa cultura foi imposta pela
Inquisição, sob pena de expatriação ou morte, deixando
muitas características judaicas no substrato dos brasileiros.
O
estudo não pretende ser histórico nem profundo,
apenas aborda e defende que muitos costumes, hábitos
ou tradições do interior mineiro sofreram influência
marcante dos judeus sefaraditas portugueses que vieram
para Minas fugindo da Inquisição no nordeste
brasileiro.
Após
o batismo forçado pela Inquisição de Portugal, esses
judeus ficaram conhecidos como “cristãos-novos”, para
diferenciá-los dos “cristãos-velhos”. Muitos
continuaram a praticar a sua religião secretamente e,
por isso, eram constantemente vigiados e denunciados
ao “Santo Ofício” como judaizantes; estes tinham todos
os seus bens confiscados, além de viverem humilhados e
confinados naquele país, isso quando não eram
torturados e queimados vivos nas fogueiras.
O
descobrimento do Brasil em 1500 foi uma porta que se
abriu para esse povo perseguido. Milhares de
“cristãos-novos” vieram para o Brasil na época da
colonização já em 1503 (GUIMARÃES, 1999).
Mais
tarde, com a atuação do Tribunal do Santo Ofício na
Bahia em 1591/93, e em Pernambuco em 1593/95 e
novamente na Bahia em 1618, os judeus que, a
princípio, se encontravam nessas duas capitanias,
dispersaram-se por todo o Brasil, principalmente para o
Sul e Sudeste (LOURENÇO, 1995).
Com
a descoberta do ouro nas capitanias de Minas em fins
do século XVII, ocorre um movimento em direção ao
território mineiro. Segundo a historiadora
FERNANDES (2000), a maioria era formada por
cristãos-novos que se estabeleceram na região, em
atividades econômicas e no comércio.
Mas
que marcas eles deixaram na formação do povo mineiro?
Que costumes, hábitos ou tradições podemos
identificar em Minas como sofrendo influência daqueles
judeus cristãos-novos? Que influência exerceram na
formação da nossa identidade?
A
este grupo étnico que ajudou a povoar o Brasil nos três
primeiros séculos do descobrimento e a seus descendentes que
ora representa o grosso da população brasileira, devemos
esta grande similitude com os sefaradins ibéricos. A alma
profundamente quebrantada pela fé em D’us, o espírito
pacífico e de bom humor, um povo amante da paz com uma
grande capacidade para viver e sair de situações
difíceis e adversidades seculares – o famoso
“jeitinho” brasileiro - , uma tendência universalista para
as coisas filosóficas, as habilidades com o comércio,
etc. Em suma, um povo apaixonado e obstinado, uma raça bonita
e sábia, apesar de seus defeitos e mazelas.
Analisando
estas e outras características, percebe-se claramente
que o povo do interior do estado de Minas Gerais
parece ser o retrato mais fiel dos judeus portugueses
do século dezesseis a dezoito que vieram povoar este
país.
O
temperamento do homem dessas regiões, seu aspecto
físico, os costumes em vigor até bem pouco tempo,
herdados dos antepassados povoadores, indicam
influência preponderante desses judeus ibéricos.
Também os registros de nomes demonstram uma
concentração de judeus cristãos-novos nessa região do
interior mineiro, proporcionalmente entre as mais
densas do mundo.
O
cancioneiro popular de Minas exprime bem o espírito
mineiro. Aqui as coisas são feitas sem pressa, para
durar – o tempo pouco importa.
Diz-se
que o mineiro é “fechado” como sua terra. Esse
fechamento traduz-se numa sobriedade evidenciada no
seu modo de ser – no comer, no vestir, no falar.
O mineiro escuta muito mais do que fala e não demonstra facilmente seus sentimentos. “Não desperdiça gestos, como não desperdiça nada” (Alceu Amoroso Lima).
Certamente
aprendemos com nossos antepassados a não desperdiçar,
pois seus bens tinham sido espoliados pela Inquisição
e vieram para o Brasil sem nada para aqui construírem
suas vidas. Daí o conceito de que o mineiro é
“pão-duro”, em outras palavras, “econômico”.
O
mineiro “calado” aprendeu com seus ancestrais a
esconder seus sentimentos e crenças para não ser
vítima dos “deduradores” ou “espiões” da Inquisição.
Tanto é assim, que quando alguém está fazendo
perguntas demais, diz-se que ele está inquirindo muito
(inquisição = ato ou efeito de inquirir).
E
o tradicionalismo mineiro? Quando se fala na
“tradicional família mineira” associa-se logo a idéia a
uma atitude ultraconservadora. O sistema patriarcal
mineiro tem suas raízes nos colonizadores
cristãos-novos vindos na época da mineração – aqui
chegaram com seus valores tradicionais intactos,
plantando-os em Minas.
O
mineiro é triste, repete-se constantemente. De uma
tristeza guardada, que transparece em sua arte e só se
denuncia sutilmente, em gestos discretos. De onde
viria essa tristeza?
Talvez
da saudade que se perdeu no tempo. Saudade que os
judeus sentiram quando deixaram a terra onde viveram
por tantos séculos – a península ibérica – e emigraram
para o Brasil. Também da tristeza de se saber
perseguido e vigiado por onde quer que vá.
É
em Minas também que se encontram as primeiras
expressões de nacionalidade e de justiça. E de
reivindicações pelos direitos adquiridos, presentes
nos motins e revoltas do século XVIII. A circulação do
ouro e de diamantes levava, em seu bojo, a circulação
das idéias, suscitando rebeliões que, hoje, são
reconhecidas como sementes de nossa independência
nacional e de nosso acesso à modernidade.
A
sucessão de rebeliões impressionou o governador, conde de
Assumar, que, queixando-se ao rei pela sublevação de Felipe
dos Santos, Vila Rica (1720), afirma: “O espírito de rebelião
é quase uma segunda natureza das gentes de Minas”
(FERNANDES, 2000).
O que era rebelião para o reino português, significava justiça para o povo mineiro.
Foi
a dominação e a insubmissão, a coragem e o medo, a
desconfiança e a luta, a saudade e a esperança, a
discrição e o apego à liberdade, que fizeram um povo
mineiro profundamente ligado ao seu berço, à sua gente
e à sua terra.
A
descoberta do ouro em Minas que, segundo alguns
autores se deveu ao cristão-novo Antônio Rodrigues
Arzão, em 1693, acarretou forte movimento migratório,
vindo da própria Colônia ou da Metrópole para o
interior.
Na
primeira metade do século XVIII, segundo Neusa
FERNANDES (2000), estima-se que a corrida do ouro
levava para as Minas, oito a dez mil pessoas por ano.
Em
pouco tempo, a capitania de Minas Gerais tornou-se a
mais populosa da Colônia, suplantando a da Bahia e a
do Rio de Janeiro.
Vila
Rica, uma das primeiras vilas surgidas, foi o centro
comercial da capitania, onde atuaram a maioria dos
cristãos-novos processados pela Inquisição em Minas.
No meado do século, uma grande comunidade judaica
tentou fundar uma irmandade clandestina na cidade.
O historiador Elias José LOURENÇO (1995, p. 73-77) nos conta com maior
clareza este fato e narra os costumes que ele
encontrou ali e em outras regiões próximas:
Com
o passar do tempo, passando a febre do Eldorado, os
cristãos-novos se segregaram, por assim dizer, entre
as montanhas de Minas, longe dos litorais e portos
marítimos, distantes de outras correntes migratórias,
dando ao povo mineiro peculiaridade étnica e cultural
com características bastante definidas.
No
começo, famílias como os Leões, os Fortes, os
Henriques, os Carneiros, os Campos, etc., chegaram a
constituir povoados, verdadeiros “guetos”, que ainda
hoje se reconhecem por não terem capelas em suas
ruínas, em constraste com os fundados por
cristãos-velhos, onde a igreja era uma das primeiras
edificações (LEAL, 2000).
Em
Paracatú, Serro Frio, Sabará e imediações e em
Pitanguí tinham suas maiores aglomerações. Eram
numerosos também nos arraiais que cercam Ouro Preto e
Mariana e ao longo do caminho do Rio Grande e da
Bahia. Havia, porém, cristãos-novos espalhados por
todo o território mineiro: nas estradas, nas entradas
das vilas e nos caminhos de “ir-e-vir”.
Considerando-se o trabalho desbravador que
esses cristãos-novos realizaram e os movimentos
comerciais que inovaram, pode-se dizer que a eles se
deve a realização dos primeiros contratos, a criação
dos primeiros empregos, promovendo negócios e
instrumentos que revertiam para a Coroa portuguesa,
ficando, porém os lucros e parte da riqueza em mãos
dos moradores.
A
historiadora Neusa FERNANDES (2000) nos relata que a
terceira década do século XVIII foi o período em que a
ação inquisitorial tomou maior impulso em Minas. Num
espaço de dez anos, foram presos em Minas cerca de 30
cristãos-novos, todos acusados de judaísmo.
Ao
ler os processos analisados pela historiadora em seu
livro, percebemos que muitos deles foram criados na
religião católica, até a idade de 11, 12, 13, 19 ou
mesmo 20 anos, quando então abraçavam o judaísmo,
persuadidos ou influenciados pela avó, ou pela mãe. Sabemos
que no judaísmo é a mulher quem educa as crianças,
cabendo-lhe a tarefa de ensinar-lhes todas as tradições e
costumes. Esse hábito está ainda presente nas
famílias mineiras, onde à mulher cabe a tarefa de
educar os filhos, discipliná-los e iniciá-los na
religião, ficando o marido apenas com a incumbência de
trabalhar e suprir a casa.
Além
disso, a “religião de verniz” ou o “ir para a igreja
sem convicção interior”, atribuída pelo clero católico
aos brasileiros em geral, é originária, talvez, do
comportamento dos cristãos-novos que, por circunstâncias
ou displicência, ficavam anos embrenhados nas matas,
sem comungar e confessar. A posição espiritual do
brasileiro, que se mantém relativamente indiferente
nas discussões religiosas, pode ser fruto do
conturbado ambiente sócio-religioso-colonial (MIZRAHI,
1999) da época.
Os
três séculos de perseguição, movidos pela Inquisição
aos cristãos-novos luso-brasileiros levaram o grupo ao
inconformismo. Vivendo numa “marginalidade interior”,
“homem dividido” segundo a historiadora Anita
Novinsky, temendo sempre possíveis denúncias, o
cristão-novo tornou-se permeável e atraído para idéias
e movimentos de oposição ( Como prova a Inconfidência
Mineira).
O
cristão-novo se sentia em permanente transgressão.
Não era católico nem judeu. Praticava um dualismo
religioso, apresentando-se exteriormente como
cristão-novo e praticando os ritos judaicos dentro de
casa ou da prisão, sempre com a preocupação de se
ocultar para não despertar suspeitas nos vizinhos.
Essa situação é bem expressa no romance “A saga do marrano” (AGUINIS, 1996):
A
influência mais forte dessa ambigüidade, desse
dualismo, talvez esteja no “fechamento dos mineiros”,
no seu jeito calado, na sua resistência em falar das
suas crenças mais íntimas.
Guardados
nas montanhas de Minas, estão até hoje muitos traços
dos cristãos-novos e seus descendentes, expressos no
que se chama hoje de: conservadorismo mineiro,
política mineira ao pé do ouvido, pão-durismo mineiro,
humor mineiro, desconfiança mineira, o jeito
amaneirador do povo mineiro, a superação de
obstáculos, o apego à justiça, enfim, toda “mineirice”
se identifica muito com os judeus portugueses dos séculos
XVI, XVII e XVIII.
Passar a mão na cabeça: isto é, relevar, perdoar, acarinhar, ignorar uma falta de alguém. É a bênção judaica.
Sefardana: Para
o historiador Augusto de Lima, a expressão insultuosa
de Sefardana é deturpação intencional dos nomes
“Sefarad" [1] e “Sefaradins”.
Jurar pelo eterno descanso de um morto querido:
juro pela alma do meu pai, ou da minha mãe, e assim
por diante. É resíduo de um rito judaico.
Deus te crie: ante o espirro de uma criança. Herança da frase hebraica – Hayim Tovim.
Amuletos: usado
muito no interior, os signos de Salomão ou de David
(a estrela de seis pontas) e até mesmo nas porteiras e
muros das casas, embora para o judeu não seja
amuleto, mas seu significado foi deturpado entre os
descendentes assimilados.
Varrer a casa: da porta para dentro das casas, costume arraigado até os dias de hoje.
Passar mel na boca: quando
da circuncisão, o Rabino passa o mel na boca da criança para
evitar o choro. Daí a origem da expressão: “Passar mel na
boca de fulano”.
Siza: vem do hebraico “Sizah”, quando vai pagar o imposto. Pagar a siza.
Massada: palavra
muito usada pelos mineiros para explicar uma
tragédia: “foi uma massada”. A fortaleza de Massada,
perto do Mar Morto, foi destruída pelos romanos nos
anos 70 d.C., quando pereceram mais de 800 judeus,
segundo afirma Flávio Josefo.
Lavar os mortos: largamente usado no interior das Minas Gerais. Usado ainda, em algumas regiões. Está bem desaparecido.
Para o santo:
o hábito sertanejo de, antes de beber, derramar uma
parte do cálice, tem raízes no rito hebraico milenar
de reservar, na festa do pessach (páscoa), copo de vinho para o profeta Elias (representando o Messias que ainda virá).
Punhado de terra: costume de jogar terra no caixão quando ele é descido na sepultura.
Mezuras: fazer mezuras, reverências. Talvez venha do Mezuzah [2] hebraico colocado nas portas, ao qual os judeus antes de entrar fazem uma reverência.
Carapuça: a
expressão “fulano de tal pôs a carapuça”, ou “esta
carapuça não serve para mim”, vem dos tempos da
Inquisição, quando o réu era obrigado a colocar uma
carapuça sobre a cabeça, assumindo a culpa..
Judiar: vem
dos tempos da Inquisição, em que se maltratavam e
perseguiam os judeus – significa atormentar e torturar
os judeus.
Mesa de mineiro tem gaveta para esconder a comida quando chega visita: esse
costume, conhecido dos mineiros e relacionado à
sovinice, tem outra raiz. É o costume que tinham os
cristãos-novos e que passou aos seus descendentes, de
guardar a comida que estavam comendo quando chegava um
visitante – normalmente um cristão-velho. Para isso,
as mesas da copa tinham gavetas. A raiz desse costume é
que muitos cristãos-novos, apesar do batismo forçado,
continuavam praticando secretamente a sua religião. E no judaísmo,
a comida deve ser kasher, ou seja, a comida recomendada pela Torah, na
qual existem alimentos proibidos aos judeus – Levíticos
11 – como, por exemplo, a carne de porco, peixe sem escama,
etc. Dentro desse preceito, há receitas tipicamente judaicas.
E se um cristão-velho chegasse de repente à casa e
visse essa comida típica, fatalmente o cristão-novo
seria reconhecido e denunciado. Por isso, eles
guardavam o que estavam comendo nas gavetas, e
ofereciam outra coisa ao visitante, como o queijo
minas, por exemplo. Esta é a raiz desse costume, que
muitos mineiros até brincam a respeito, mas que não
está relacionado à sovinice e sim ao medo da delação
(MENDA, 2000) [3].
Lenda da Verruga:
como se sabe, o dia no judaísmo começa na véspera.
Então, o “shabat” – descanso judaico no Sábado, começa
na véspera com o nascimento da primeira estrela. Se um judeu
apontasse para o céu quando visse a primeira estrela para
anunciar o início da festa do Shabat, como cristão-novo ele
estaria se denunciando. O adulto poderia se controlar,
mas o que se diria para as crianças? “- Não aponta
que se nasce verruga”. Era a única maneira de poder
controlá-las, para que a família não fosse descoberta e
perseguida pela Inquisição (MENDA, 2000).
Ficaram a ver navios:
era a época de ouro da Península Ibérica. O rei Dom
Manuel precisava dos judeus portugueses, pois eram
toda a classe média e toda a mão-de-obra, além da influência
intelectual. Se Portugal os expulsasse logo como fez a
Espanha, o país passaria por uma crise terrível. Então o
rei fingiu marcar uma data de expulsão, que era a Páscoa. No
dia marcado, estavam todos os judeus no porto
esperando os navios que não vieram. Todos foram
convertidos e batizados à força, em pé. Daí a
expressão: “ficaram a ver navios”. O rei então
declarou: não há mais judeus em Portugal, são todos
cristãos (cristãos-novos). Era 1492. Durante mais ou
menos 30 anos eles continuaram praticando o judaísmo por
debaixo do pano, às escondidas, mas com tolerância
portuguesa, até a chegada da Inquisição. Com a Inquisição,
veio a vigilância, a perseguição, a intolerância, e foi aí
que muitos vieram para o Brasil fugindo dela(MENDA, 2000).
Além
dos costumes e expressões mencionadas acima, há um
outro aspecto que gostaríamos de mencionar, embora
seja tema para outro estudo mais amplo. É a questão
dos sobrenomes.
Até a época de Napoleão, o judeu não tinha sobrenome: era “fulano filho de fulano” - não
tinha identidade civil. Com a conversão forçada, eles
têm de assumir um sobrenome e adotam nomes de famílias
tradicionais cristãs, ou nome de um local, ou de uma árvore,
ou da sua profissão, ou de um animal, ou de um português
ilustre.
Os
arquivos da Inquisição da Torre do Tombo, em Lisboa,
pesquisados por WIZNITZER (1996, p.35), traz os nomes
de 25 judaizantes brasileiros processados na Bahia,
dos quais citaremos apenas alguns sobrenomes: Antunes,
Costa, Duarte, Gonçalves, Fernandes, Lopes, Mendes,
Miranda, Nunes, Rois, Souza, Teixeira, Ulhoa e outros.
Outros
sobrenomes de pessoas processadas no Brasil pela
Inquisição, devidamente documentados, são (GUIMARÃES,
1999): Abreu, Andrade, Barros, Borges, Cardozo,
Carvalho, Coelho, Carneiro, Cunha, Ferreira, Figueira,
Gomes, Henriques, Leão, Lemos, Machado, Miranda,
Moura, Nogueira, Oliva, Oliveira, Paes, Pinheiro,
Pires, Ramos, Rios, Reis, Serra, Sylva, Simões,
Soares, Tavares, Telles, Valle, Vaz, etc.
Acompanhando
a história dessas famílias, nota-se que grande parte
delas se dirigia em direção ao Sul, fixando residência
nos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Outros
subiam em direção ao norte do país, especialmente
Pernambuco e Pará (GUIMARÃES,1999). Esses estados
também foram muito influenciados por uma série de
costumes judaicos, que não abordaremos nesse estudo.
Ressaltamos que não podemos afirmar que todo
brasileiro, cujo sobrenome conste desta lista seja
necessariamente descendente de judeus portugueses. Para
saber-se ao certo precisaria de uma pesquisa mais ampla,
estudando a árvore genealógica das famílias, o que pode ser
feito com base nos registros disponíveis nos cartórios.
Apesar
disso, o que queremos frisar é que há uma grande
concentração desses sobrenomes em Minas (e outros que
não citamos por questão de espaço), mostrando a
descendência dos cristãos-novos. A influência
histórica judaica-sefardita é inegável.
A
história da formação do povo mineiro e do povo
brasileiro em geral, estará mutilada até que se faça
um profundo estudo sobre os cristãos-novos e seus
descendentes da Península Ibérica, e da grande
influência que exerceram na vida do povo mineiro e
brasileiro espalhado por esse imenso país.
Essa
história está muito próxima de nossos olhos, de nosso
tato, de nossos costumes, portanto é muito reveladora
e com fatos muito evidentes. Basta escrevê-la sem
tendências e nem preconceitos.
Orgulhemo-nos,
como mineiros, da nossa herança cultural. Afinal, um
povo para crescer, precisa da sua identidade, e para
um povo conhecer sua identidade, precisa conhecer e
resgatar suas raízes o mais profundo que puder.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. AGUINIS, Marcos. A saga do marrano. São Paulo: Scritta, 1996. 486 p.
2. FERNANDES, Neusa. A Inquisição em Minas Gerais no século XVIII. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2000. 204 p.
3.
GUIMARÃES, Marcelo Miranda. Você sabia que muitos
brasileiros são descendentes de judeus? Revista de estudos judaicos. Belo Horizonte: v.2, n.2, p.42-47, dez.1999.
4. LEAL, Waldemar Rodrigues de Oliveira. Os judeus em Minas Gerais: “cristãos-novos”. Belo Horizonte: Luciana Leal Ambrosio, 2000. 36 p.
5. LOURENÇO, Elias José. Judeus: os povoadores do Brasil colonia. Brasília: ASEFE, 1995. 88 p.
6. MEGRICH, José. Quinto centenário do descobrimento do Brasil e dos primeiros judeus refugiados. Menorah. Rio de Janeiro, v.38, n.480, p.21, maio/junho 1999.
7. MENDA, Nelson, KUPERMAN, Jane. Programa Jô Soares: entrevistas. Direção Globo. Filme VHS, 2000, 22min., color. (Fita de vídeo, gravação particular da TV).
8. MINAS Gerais: berço da riqueza do Brasil. São Paulo: Três, 1994. 99p.
9. MINAS Gerais: mapa econômico. In: A Inquisição em Minas Gerais no século XVIII . Neusa Fernandes. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2000, p. 91.
10. MIZRAHI, Rachel. Os 500 anos da presença judaica no Brasil. Revista de estudos judaicos. Belo Horizonte, v.2, n.2, p. 59-65, dez. 1999.
11. SALVADOR, José Gonçalves. Cristãos-novos, jesuítas e Inquisição. São Paulo: Pioneira, 1969. 222 p.
13. ________. Os cristãos-novos: povoamento e conquista do solo brasileiro, 1530-1680. São Paulo: Pioneira, 1976. 406 p.
BIBLIOGRAFIA
1. FALBEL, Nachman. Estudos sobre a comunidade judaica no Brasil. São Paulo: Federação Israelita do Estado de São Paulo, 1984. 197 p.
2. SARAIVA, Antonio José. Inquisição e cristãos-novos. 4 ed. Porto: Nova Limitada, 1969. (Coleção Civilização Portuguesa – v. 2) 317 p.
3. WIZNITZER, Arnold. Os judeus no Brasil colonial. São Paulo: Pioneira, 1966. 217 p.
4. WOLFF, Egon e Frida. Judeus nos primórdios do Brasil-república. Rio de Janeiro: Biblioteca Israelita H.N. Bialik / Bloch, 1982. 384 p.
________________________________
[1] Sefarad – quer dizer “Península Ibérica” em hebraico.
[2]
Mezuzah – pedaço de madeira ou metal ôco por
dentro que contém dentro dela um pequeno rolo
escrito em hebraico o texto de Deuteronômio 6:4-9.
A mezuzáh é pregada em cada porta da casa de um
judeu para lembrá-lo de que D’us é único e de que
ele deve cumprir e obedecer seus mandamentos.
[3]
MENDA, Nelson, KUPERMAN, Jane. Casal de origem
sefaradita que pesquisa a influência da cultura
judaica sefaradita na vida dos brasileiros,
entrevistado pelo Programa Jô Soares, nov.2000.
Fonte: http://www.anussim.org.br
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