Por Flávio Aguiar
A bandeira da expulsão violenta de imigrantes doentes dos hospitais
(além das crianças “estrangeiras” das creches), defendida pela
extrema-direita grega, casou com um momento em que falta merendas nas
escolas e material médico, além de pessoal, nos hospitais públicos
superlotados.
Em conversas por aqui tenho sugerido que a crise e sua administração
“austera”, destruindo direitos e sonhos, está desencavando abantesmas
sinistras pela Europa: refiro-me a teses e práticas soturnas da
extrema-direita que podem levar o convulsões dramáticas em vários
países, como já houve no passado.
Várias pessoas recebem esse comentário com ceticismo, talvez
acreditando que eu seja um caçador de pesadelos. Mas as coisas são o que
são, e só não vê quem não quer.
Na terça-feira, 12 de junho, às vésperas das decisivas eleições
gregas (17 de junho, coincidindo com o segundo turno da francesa), um
dos líderes do movimento/partido “Aurora Dourada”, de extrema-direita,
veio em meu socorro. Ilias Panagiotaro, o líder em questão, disse que se
o seu partido (que em 6 de maio obteve 21 cadeiras no parlamento grego,
entre 300) vencesse as eleições no próximo domingo, imediatamente seus
partidários começariam a percorrer hospitais e creches na Grécia para
“jogar na rua” doentes e filhos de imigrantes, a fim de que os gregos
pudessem ocupar essas vagas. A ameaça lembra coisas como a chamada
“Noite dos Cristais” na Alemanha, quando os nazistas depredaram lojas de
judeus e sinagogas.
Os membros do “Aurora Dourada” vem protagonizando cenas e mais cenas
de violência. Na última delas (antes das declarações de Panagiotaro), o
deputado Ilias Karadiaris agrediu fisicamente duas mulheres durante um
debate televisionado – e na frente das câmeras. Primeiro ele jogou um
copo d’água numa das debatedoras. Na seqüência a também deputada Liana
Kanelli, do Partido Comunista, que estava a seu lado, tentou detê-lo, e
ele deu três tapas em sua cabeça. Karadiaris foi contido pelo pessoal da
emissora e fechado numa sala, enquanto a polícia era chamada. No
entanto ele arrombou a porta e se evadiu, estando agora foragido.
A bandeira da expulsão violenta de imigrantes doentes dos hospitais
(além das crianças “estrangeiras” das creches) casou com um momento em
que falta merendas nas escolas gregas e material médico, além de
pessoal, nos hospitais públicos superlotados. O dr. Reveka Papadopoulos,
diretor da organização Médecins sans Frontières na Grécia, declarou
recentemente que o corte da distribuição gratuita de seringas e agulhas
para drogados provocou um aumento dramático do número de casos de HIV
positivo em Atenas. Segundo o doutor, hoje pode-se avaliar num aumento
de 1.450% nos casos em Atenas, referindo-se ao aumento de casos entre
2010 e 2011. Para a população em geral o aumento foi de 52%, o que
equivale a dizer que esse número total deve ter aumentado de cerca de
8.800 casos no país para mais de 12 mil.
Dados da organização dizem que a demanda nos hospitais públicos
aumentou em 24% no último ano, enquanto as verbas disponíveis caíram em
mais de 40%. Além disso a polícia tem realizado blitzes sucessivas
contra imigrantes, com seguidas denúncias por parte da Anistia
Internacional de atitudes discriminatórias e persecutórias.
Fala-se agora – e não apenas na extrema-direita – em votar uma lei
cassando o direito dos filhos de imigrantes nascidos na Grécia serem
considerados cidadãos do país.
O dr. Papadopoulos também assinalou que cresce o número de casos de
malária entre a população, sobretudo no sul do país, além dos casos de
tuberculose e febre do Nilo (um tipo de encefalite virótica que pode
atacar o sistema nervoso central). Comentou ainda que o fim do
fornecimento de agulhas e seringas aos drogados vai além da questão da
falta de recursos, revelando uma “conceituação inadequada do problema”.
Como exemplo dessa visão equivocada ele citou ainda a iniciativa de não
propiciar tratamento médico a imigrantes ilegais, o que considerou uma
“atitude esquizofrênica”.
Para completar esse quadro sinistro, grupos de direitos humanos e
partidos de esquerda acusam membros da polícia de cumplicidade com o
“Aurora Dourada”.
Acho que alguns de meus interlocutores terão de repensar a sua indiferença.
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
Fonte: http://correiodobrasil.com.br
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